"Autoritarismo religioso" marca debate sobre aborto, avalia coordenadora de ONG

06/12/2005 - 20h29

Juliana Cézar Nunes
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Representantes de associações de mulheres e religiosos foram maioria hoje no plenário da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Em minoria, organizações em defesa da livre escolha feminina e contra o mercado clandestino de aborto distribuíram textos com explicações sobre a necessidade de evitar mortes de mulheres em cirurgias feitas na ilegalidade.

Para a coordenadora da organização não-governamental (ONG) paulista Comissão de Cidadania e Reprodução, Tânia Lago, o debate sobre o projeto de lei está sendo marcado pelo "autoritarismo religioso".

"Os deputados se sentem pressionados pelos grupos religiosos, principalmente a igreja católica. Isso está muito claro depois de vários dias de conversa que tivemos com eles", conta Tânia. "O debate não está se dando em uma ambiente de democracia, mas autoritário. O princípio do Estado laico não está sendo respeitado."

O presidente da Comissão de Seguridade Social, deputado Benedito Dias (PP-AP), acredita que o projeto escrito baseado na relatoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) será rejeitado. "A maioria dos membros da comissão é contra a descriminalização do aborto. Acho que o projeto não passa, não segue adiante para ser votado no plenário da Casa. A resistência é grande", avalia Dias.

O projeto de descriminalização do aborto tramita no Congresso Nacional desde 1991. Atualmente, é permitido apenas o aborto nos casos em que a gravidez oferece risco de vida à mulher ou a gestação for conseqüência de estupro. Até mesmo as mulheres grávidas de bebês sem cérebro precisam recorrer à Justiça para conseguir direito ao aborto. Muitas delas não conseguem a autorização a tempo. Representante do Centro de Estudos Feministas e Assessoria, Gilda Cabral, defende que levar a gravidez adiante deve ser uma decisão da mulher.

"Tirar o aborto do Código Penal significa dizer que ele não será mais crime. A mulher que interromper a gravidez não correrá mais o risco de ser presa", avalia Gilda. "O projeto não obriga os hospitais públicos e os planos de saúde a financiarem o aborto. A regulamentação disso, com regras e limites, seria feito pelo Ministério da Saúde por meio de Norma Técnica, como já aconteceu em outros países."

A Organização Mundial de Saúde estabelece em 22 semanas o limite para que seja feito aborto. Acima desse período, a organização considera parto de bebê prematuro. Pelos cálculos do Ministério da Saúde, no Brasil, 31% das gestações terminam em aborto.

No país, são cerca de 1,4 milhão de abortos por ano – não passa de 2 mil o número de cirurgias nos hospitais públicos em casos de gestação por estupro ou risco de vida para a mãe. A interrupção da gravidez, principalmente quando feita em condição precária, é a quarta causa de morte de mulheres durante a gestação, parto e pós-parto. Ela perde apenas para doenças como hipertensão, hemorragia e infecção.