Gabriela Guerreiro e Iolando Lourenço
Repórteres da Agência Brasil
Brasília – Leia a seguir o segundo trecho da entrevista com o secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Osvaldo Bargas, que esteve à frente das negociações para a construção do texto da reforma sindical, no Fórum Nacional do Trabalho. Nesta parte, Bargas fala das críticas que a proposta vem recebendo de setores empresariais.
Agência Brasil - De onde vêm as críticas às propostas de reforma?
Osvaldo Bargas - Dos dois lados. Temos aqueles que falam que deve mudar tudo, aqueles que usam inverdades, coisas que não estão no projeto, como, por exemplo, que as centrais sindicais vão substituir os sindicatos. Isso não é verdade, centrais sindicais em parte nenhuma do mundo negociam acordos coletivos, e não é no Brasil que isso vai acontecer.
E tem os que ganham muito com o atual sistema. Por exemplo, os advogados que prestam serviço para as empresas, para os sindicatos, e se utilizam desse volume de processos trabalhistas. Diminuindo o volume desses processos, diminui o mercado. Logo, eles são contra esse processo. Há setores interessados em que nada mude.
ABr - O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, critica a questão do substituto processual.
Osvaldo Bargas - O substitutivo processual que está no projeto foi acordado com a bancada dos empregadores, e isso foi colocado no projeto, na mesa de negociação, a pedido dos empregados. Houve acordo. Se os empresários estão rompendo com o acordo, o que o governo pode fazer é retirar isso do projeto. Foi feito um amplo processo de negociação, houve acordo sobre isso e temos como comprovar. Agora, se o empresário prefere o processo que vem sendo regulamentado na Justiça por meio de decisões judiciais, o que tem favorecido os trabalhadores, o governo retira, e podemos colocar isso de forma separada.
ABr - Então, o governo está flexível para mudanças?
Osvaldo Bargas - Queremos que haja acordo, já que ele foi construído a partir de pedido dos empregadores. Creio que os trabalhadores estarão de acordo em retirar a substituição processual do projeto. Em momento nenhum estamos dizendo que tem que primeiro terminar a reforma sindical para depois iniciar a reforma trabalhista e vice-versa. Estamos fazendo cada coisa no seu tempo.
Não é possível pensar em uma mudança da legislação trabalhista com esse modelo de sindicato tão despreparado e pouco representativo que temos hoje. Se quiserem uma legislação trabalhista moderna, se querem igualar nossa legislação com os países modernos, também temos que ter um sistema de representação sindical moderno. Não podemos falar que queremos fortalecer a negociação coletiva sem os trabalhadores terem o direito de estarem representados no local de trabalho. Precisamos democratizar as empresas para pensar em um sistema em que a negociação coletiva tenha força.
ABr - A que o sr. atribui o enfraquecimento dos sindicatos nos últimos anos?
Osvaldo Bargas - Até a Constituição de 1988, tínhamos um sistema de organização sindical que foi criando por Getúlio Vargas. Era um sistema baseado na intervenção do Estado nas relações de trabalho. Era o Estado que concedia o registro sindical, o Estado garantia o monopólio da representação sindical, exigia a prestação de contas no Ministério do Trabalho de todas as atividades do sindicato, incluindo as atividades financeiras. Os conflitos eram decididos pela Justiça do Trabalho, por meio dos dissídios coletivos. O Estado ainda garantia a sustentação financeira.
Em 1988, a Constituição trouxe para esse sistema, que podia ter todo o defeito de ser autoritário e estatal, o elemento da autoridade sindical. Chamo isso de vírus, um vírus que vem corroendo, se multiplicando. Até 1988, tínhamos por volta de oito mil a nove mil sindicatos constituídos no país, entre os de trabalhadores e empregadores. Hoje, são possivelmente mais de 18 mil sindicatos. A cada dois dias, nascem nessa mesa três sindicatos. Eles são criados, na maioria das vezes, pela contribuição que os trabalhadores e empresas são obrigados a pagar, independente de sua vontade política. Essa máfia de criar sindicato virou um grande negócio. Hoje, é mais fácil criar um sindicato do que montar uma carrocinha de cachorro-quente na Esplanada dos Ministérios. Existem sindicatos que não têm nenhuma atividade sindical e, no entanto, recebem contribuições compulsórias.
ABr - Falta controle sobre a criação de novos sindicatos?
Osvaldo Bargas - Precisamos sair dessa situação, que não é nem unicidade sindical, nem sindicato estatal, e nem liberdade sindical. Temos que ter um sistema baseado nos princípios da liberdade sindical, mas com critério de representatividade. Uma legislação que estabeleça de forma clara, que tire do Ministério do Trabalho o poder de decidir a quais sindicatos deve ser concedido o registro e a quais não deve. Tirar inclusive da Justiça. Hoje, quem decide se o sindicato vai receber o registro é a Justiça. Precisamos de regras claras, e essas regras devem ter critério de representatividade. Para falar em nome de um conjunto de empresas ou de trabalhadores, será preciso comprovar representatividade. Hoje, não é preciso comprovar nada.
ABr - Como funcionou o Fórum Nacional do Trabalho?
Osvaldo Bargas - O Fórum trabalhou de forma tripartite, são as regras da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi muita conversa. Esse projeto pode ainda ser aperfeiçoado no Congresso Nacional, mas ele corre também um grande risco: se tiver muitas emendas, pode ser transformado em um Frankenstein. Ele tem começo, meio e fim, consistência, é bastante complexo, porque é fruto de um entendimento. Esperamos que o Congresso faça as mudanças, possa aperfeiçoar, mas sem quebrar a lógica construída. Assim, isso pode virar um pouco o que é a legislação hoje, que a Constituição mexeu e quebrou a lógica, e hoje é essa coisa de nem unicidade, nem liberdade sindical.
ABr - O senhor acha que a reforma sindical sai esse ano?
Osvaldo Bargas - Esperamos que a PEC seja aprovada esse ano. Isso ocorrendo, acreditamos que o projeto de lei é mais fácil. Então, podemos estar no início do ano aprovando o projeto e já discutindo o da reforma trabalhista. Isso é o que idealizamos, é a expectativa do fórum, mas pode adiantar ou atrasar.