Gabriela Guerreiro e Iolando Lourenço
Repórteres da Agência Brasil
Brasília – Leia abaixo a segunda parte da entrevista com o deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP), que deve ser o relator da proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma sindical na Comissão Especial da Câmara que vai analisar o mérito do texto. Na entrevista à Agência Brasil, o deputado revela a origem das principais oposições à reforma.
Agência Brasil - Com que finalidade são criados os sindicatos hoje?
Vicentinho - Muitos criaram com o fim de arrecadar dinheiro. Muitos são pequenos, têm dificuldades, mas têm dirigentes sindicais sérios. A maioria dos dirigentes sindicais nesse país são pessoas de bem. Mas tem gente que confunde a missão sindical com carreira, ou confunde com negócio. Eu fiquei envergonhado quando vi uma revista "Veja" recentemente denunciando representantes de categorias mais pobres donos de helicóptero, dono de barcos, de fazendas.
Eu fui dirigente de um sindicato dos mais ricos do Brasil, e nem eu, nem Lula, nem Menegheli (Jair Menegheli, ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores), nem Marinho (Luiz Marinho, atual presidente da CUT), nem ninguém nunca desviou nenhum palito de fósforo ali de dentro. E lá não temos nem imposto sindical, nem confederativo, por exemplo. Só que tem um índice alto de sindicalizados.
O que se propõe agora é acabar com o imposto sindical e com o confederativo. E manter a mensalidade, evidentemente, porque essa não tem jeito, é a mais democrática. O que nós queremos é acabar com essa facilidade do dinheiro fácil, porque isso efetivamente não quer dizer que o sindicato é forte.
ABr - Até que ponto essa reforma pode fortalecer os sindicatos?
Vicentinho - As instituições estão passando por dificuldades no Brasil, na América Latina. Igrejas, sociedade civil, vários organismos. E também o movimento sindical, que representa o trabalho, e o poder do capital é sempre muito forte. Com essas filosofias neoliberalizantes, cada vez mais os sindicatos sofrem novos tipos de ataques. Na proposta, não está o fim só do imposto sindical, o reconhecimento das centrais sindicais. Também está a organização por local de trabalho, convivendo com o trabalhador, ouvindo o trabalhador e resolvendo problemas do trabalhador.
Na proposta está assegurado o combate a atitudes anti-sindicais. Até hoje o trabalhador é perseguido quando ele faz uma greve. Hoje, o Estado vai dar proteção a esse trabalhador, ninguém pode ser demitido por causa disso, como acontece em vários países do mundo que já têm essa proteção – é a tutela do Estado.
ABr - Também se propõe o mecanismo do substituto processual. Qual a sua importância?
Vicentinho - Na Justiça do Trabalho, para abrir um processo, você tem que abrir no seu nome. Se for individual ou se for coletivo, você tem que assinar. Resultado: o seu nome fica exposto, a empresa manda embora. É por isso que 80% dos processos na Justiça hoje são de trabalhadores desempregados. E os outros 20% são processos que o trabalhador está empregado, mas ele abriu contra outra empresa, porque ele não é besta. Só que, enquanto ele fica protelando para abrir o processo porque está empregado, como o direito tem prescrição, ele vai perdendo.
O substituto processual dá ao sindicato poderes jurídicos de apresentar, de abrir o processo em defesa dos trabalhadores contra a empresa, sem ninguém se expor. Basta ter uma denúncia, o sindicato constatar, e isso vai dar muita força ao sindicato, porque ele também não vai ficar abrindo processo de qualquer maneira. Para mim, é uma das coisas mais importantes da reforma.
ABr - As centrais sindicais são ilegais até hoje?
Vicentinho - Outro ponto da proposta é o reconhecimento das centrais sindicais. Na verdade, elas são reconhecidas perante a sociedade, perante as autoridades, mas elas não são legais. O reconhecimento das centrais sindicais dá direito à CUT, à Força Sindical de entrar no Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade. Dá direito de uma central sindical fazer com o patronato um acordo nacional, que é o chamado contrato coletivo nacional, que já ocorre em vários países avançados. Dá direito às centrais de fazerem parte da estrutura sindical normalmente.
ABr - Por que tantos segmentos sociais são contrários ao texto?
Vicentinho - Alguns não querem reforma de maneira nenhuma. Mas uma parte que é contra são as velhas confederações. Muitas delas nunca atuaram em defesa dos trabalhadores. Os dirigentes estão há 50 anos, nunca trocam. O trabalhador não vota, é eleito um colégio. O que nós queremos é dinamizar. Tem problemas na proposta? Tem. Mas a Câmara está aí para discutir. Esses problemas vão ser analisados a cada momento.
ABr - O servidor público vai ser atendido nessa reforma sindical?
Vicentinho - A proposta inclui algo que eu e o deputado Maurício Rands já havíamos apresentado em 2003, que é a PEC 129, que assegura o direito de negociação do servidor público. No caso do Lula, ele criou uma mesa permanente de negociação. mas, tem autoridades do Executivo que nunca conversam com o sindicato.
ABr - Quando o ministro Berzoini trouxe a reforma ao Congresso disse que ela era fruto das negociações, mas, mesmo assim, não era a ideal. Como o sr. avalia essa proposta?
Vicentinho - Eu concordo com o que o ministro fala. Porque eu duvido que venha uma proposta para a Câmara e passe sem nenhuma vírgula modificada. É uma contribuição, foram 400 horas de negociação, da qual participaram as maiores centrais sindicais, as entidades patronais. Diferente da reforma tributária e previdenciária, houve um debate anterior. Nós temos que considerar isso como positivo, mesmo que a proposta não seja consensual. Você tentou minimamente, e por isso acho que ela vem com mais força. Chegando aqui à Casa, você encontra manifestações contrárias, que não tiveram participação no fórum, para influenciar os deputados, o que é democrático, transparente, normal.
ABr - Fazer a reforma era um dever do presidente Lula, que teve o nascimento político no meio sindical?
Vicentinho - Não. O Lula foi um dirigente sindical nos anos 80, e depois não foi mais. Ele se tornou um cidadão brasileiro. As mudanças propostas pelo presidente Lula são propostas com base na estrutura da sociedade como um todo. Agora, essa história da relação dele com o movimento sindical ajuda muito, claro. Ele sabe das mazelas. E só sabe porque participou.
ABr - O senhor acha que a reforma sindical sai este ano?
Vicentinho - Ainda acho que a reforma política vem antes da sindical. Mas a PEC é capaz de sair. O total, acho que não.