Luta de quilombolas para conseguir título de propriedade durou quase 20 anos

03/03/2007 - 19h32

Renato Brandão e Gabriel Corrêa
Da Agência Brasil
São Paulo - Até conseguir a posse da terra, a comunidade do Quilombo daCaçandoca enfrentou uma luta de 18 anos. Primeiro quilombo do país a ter otítulo de propriedade da terra, o Caçandoca ocupa 210 hectares de uma área deMata Atlântica de 890 hectares, situada em Ubatuba, um dos balneários maisvalorizados do litoral norte paulista.Os membros da comunidade vivem na propriedade desde o finaldo Século 19, na fazenda de mesmo nome, produtora de café, aguardente, banana emandioca. Eles tiveram uma luta árdua até o reconhecimento.O primeiro passo da comunidade para ser dona da terra foi acriação, em 1989, da Associação dos Remanescentes da Comunidade do Quilombo deCaçandoca, seguida pelo auto-reconhecimento da situação de quilombolas. Comessa etapa cumprida, foi possível reivindicar a atuação dos órgãos públicos noprocesso.Somente em 2000 o Instituto de Terras de São Pauloreconheceu oficialmente a comunidade como remanescente de quilombo, depois deuma pesquisa antropológica, encomendada pela Superintendência Regional doInstituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária em São Paulo (Incra-SP).Segundo Antônio dos Santos, 61 anos, um dos líderes dacomunidade, a partir da década de 70, a comunidade resistiu a contínuas ameaçasde jagunços de grileiros. Na década passada, a ameaça de expulsão passou a serde grupos imobiliários interessados na terra. Em 1998, a UrbanizadoraContinental, uma das empresas que reivindicava a propriedade da terra, chegou aobter esse direito na Justiça em caráter liminar.“Nos anos setenta, com a jagunçada, a gente padeceu muito.Agora, a gente não teve uma relação tão brava assim com a imobiliária, porquenunca vinha o dono, só representante”, lembra Antônio dos Santos. “Depois elesentraram na Justiça contra a gente, ficou por conta do juiz, mas a gente já nãotinha mais esta preocupação pessoal”.O quadro começou a mudar com a atuação conjunta do Incra-SP,Itesp e Ministério Público do Estado de São Paulo. Em dezembro de 2005, oCaçandoca sediou um encontro nacional de representantes quilombolas, abertopela ministra da ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticasde Promoção da Igualdade Racial (Seppir).Logo após o evento, no dia 7, o Diário Oficial da Uniãopublicou o reconhecimento oficial do Caçandoca pelo Incra. Em 26 de setembro doano passado, por decreto presidencial não-numerado, o governo reconheceu os 210hectares como de interesse social para fins fundiários e determinou suadesapropriação ao Incra e pediu à Justiça a desapropriação. Em dezembro de2006, a Justiça Federal de Taubaté julgou procedente a ação do Incra-SP.“Estamos aguardando o título definitivo, porque veio otítulo, mas provisório”, explicou Antônio dos Santos. Ele definiu o decretopresidencial como “um alívio, pois a gente tem certeza de que não vamos maissair”. Segundo a assessoria de imprensa do Incra-SP, a Associação não podevender a propriedade.