Reforma Agrária: pesquisadores criticam políticas do Banco Mundial

08/11/2004 - 19h08

Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil

São Paulo - Sob o argumento de aliviar a pobreza rural, o Banco Mundial vem impingindo aos países em desenvolvimento a chamada reforma agrária de mercado. O modelo, implementado em cerca de trinta países, substitui a desapropriação de latifúndios pela compra, com a venda aos trabalhadores com pouca terra ou despossuídos. As conseqüências deste programa, adotado no Brasil nos anos 90, foram analisadas por pesquisadores e movimentos sociais e o trabalho deu origem ao recém-lançado O Banco Mundial e a Terra - Ofensiva e Resistência na América Latina, África e Ásia, publicado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

A obra apresenta os programas fundiários financiados pelo Banco Mundial no Brasil, na Colômbia, Guatemala, México, Zimbábue, África do Sul, Tailândia e Índia. "A pesquisa mostra que há uma política única de um grande órgão internacional financiador, considerado o principal agente de desenvolvimento, e as conseqüências destrutivas deste suposto desenvolvimento junto a países que tem histórias, políticas e culturas absolutamente diferentes", resume Mônica Dias Martins, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará e organizadora da obra.

A política de mercado de terras teve início na África do Sul e depois foi implementada na Colômbia, dois países considerados politicamente instáveis. Orientado pelo Banco Mundial, o governo da África do Sul iniciou um complexo pacote de medidas para a implementação do mercado de terras, visando aumentar os níveis de produção e melhorar a "confiança dos investidores". Os programas do Banco se destinaram a uma elite de agricultores considerados "eficientes", com maior poder aquisitivo. Isso eliminou a participação dos camponeses de baixa renda, que continuaram dependentes dos salários nas fazendas e de relações sociais paternalistas. Esse modelo impediu a realização de uma ampla reforma agrária que tivesse poder de transformação social.

O caso da Colômbia é mencionado na obra como exemplar. Em 1950, o Banco Mundial considerava o número excessivo de camponeses como principal entrave ao crescimento do país. Assim, a instituição recomendava a migração incentivada dos camponeses e a formação de um setor agropecuário concentrado na expansão do rebanho bovino para abastecer o mercado norte-americano de proteína animal. Com o fracasso das políticas de mercado de terras, em 2002 o Banco Mundial iniciou o programa de Associações Produtivas, com o objetivo de subordinar os camponeses às grandes corporações. O programa tornava os camponeses "sócios" dos latifundiários, proporcionando mão-de-obra para as empresas transnacionais e eliminando as obrigações trabalhistas.

A pesquisadora conta que o Brasil foi escolhido pelo Banco Mundial para servir de modelo de reforma fundiária. "O Brasil é um país continental, com regime político estável e, embora houvesse muitos conflitos no campo, poderia servir de exemplo para outros países", relata. O programa ganhou impulso no país durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Mônica Martins reconhece que é muito difícil dizer não às políticas "sugeridas" pelo Banco Mundial. "A maioria dos governos depende do Banco Mundial para ter acesso ao dinheiro do Fundo Monetário Internacional. – FMI, pois as duas instituições trabalham juntas", explica. Ela destaca, no entanto, que "os governos têm uma responsabilidade enorme porque metade dos recursos desta política de reforma agrária são do próprio governo".