Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - O modelo de Reforma Agrária sugerido pelo Banco Mundial aos países em desenvolvimento ganhou impulso no Brasil nos anos 90. O programa implementado em cerca de trinta países, substituiu a desapropriação de latifúndios pela compra, com a revenda aos trabalhadores com pouca terra ou despossuídos.
Pesquisa desenvolvida pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos em parceria com o Movimento dos Trabalhadores sem Terra, mostra que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso o Banco Mundial iniciou três programas que "inauguravam uma trajetória de acesso a terra e uma concepção de desenvolvimento rural": Cédula da Terra, Banco da Terra e Crédito Fundiário de Combate à Pobreza.
Marcelo Resende, ex-presidente do Incra e integrante da Associação Brasileira de Reforma Agrária e da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, revela que de 1996 até hoje, estas três linhas de financiamento atingiram 70 mil famílias em todo o país, com gastos totais de R$ 1,5 bilhão. Os recursos foram utilizados na compra à vista de terras pelo governo, para pagamento em vinte anos pelos produtores agrícolas.
"Esses programas beneficiam o latifúndio improdutivo com o pagamento à vista da terra, muitas de má qualidade e com preço inflacionado. As associações criadas para a compra das áreas são muitas vezes organizadas pelos próprios latifundiários e diversas terras adquiridas poderiam ser passíveis de desapropriação", denunciam Marcelo Resende e a jornalista Maria Luísa Mendonça, da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, na abertura do livro recém lançado O Banco Mundial e a Terra - Ofensiva e Resistência na América Latina, África e Ásia.
A pesquisadora Mônica Dias Martins, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará e organizadora da obra, enfatiza que os trabalhadores rurais se comprometem com empréstimos que não podem pagar e o endividamento submete os camponeses à expulsão das terras. "Esse programa é um desrespeito à nossa legislação, pois fez o estado brasileiro abrir mão de sua função constitucional, de desapropriação por interesse social", afirma a pesquisadora. Ela denuncia, ainda, que o programa veio para contestar os movimentos sociais no campo, principalmente o MST, que têm como estratégia a ocupação da terra.
O ex-presidente do Incra vai mais longe. Marcelo Resende garante que o programa é marcado por irregularidades de toda ordem. "Há denúncias escritas dos trabalhadores, ações do Ministério Público Federal e ações administrativas que vão desde a venda de áreas com metragem errada, corrupção de pessoas que pegaram os recursos e foram embora, abandono generalizado das áreas e uma total incapacidade de pagamento das pessoas que entraram neste programa", revela.