Alessandra Bastos
Repórter da Agência Brasil
Chapada dos Veadeiros (GO) - O jornal "Espaço Lua de São Jorge", vila que fica em Goiás, conta que quem olha a Terra de cima vê, além da biosfera azul, um ponto brilhante no hemisfério sul, a Chapada dos Veadeiros. Datada geologicamente de 1,7 bilhão de anos, a área é rica em cristal de quartzo e por isso, diz o jornal, reflete a luz do Sol como um imenso espelho.
Na década de 30, garimpeiros de várias regiões, principalmente do Nordeste, chegaram a região a procura dos cristais. A vila, que hoje conta com aproximadamente 600 habitantes, chegou a ter "mais de duas mil pessoas", conta Domingos Soares de Farias, o morador mais antigo da vila. Aos 79 anos, seu Jorge - como é conhecido em toda a região - diz que "não tinha nada difícil, era a maior fartura do mundo. Hoje é tudo carregado na sacolinha", conta, em tom nostálgico, referindo-se às antigas lavouras e reclamando do alto preço dos supermercados.
No início dos anos 90, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) passou a cuidar da região, "comprou a área e proibiu o garimpo", conta o ex-garimpeiro. "Eu tinha um barraco lá em cima e dois cachorros para olhar, mas o Ibama me tirou de lá". Hoje, seu Domingos mora em um barraco emprestado, num camping. O garimpo cedeu espaço ao turismo, principal atividade econômica de São Jorge.
Dos tempos de garimpeiro, que ele recorda com alegria, ficou a saudade. "O trabalho começava cedo. À noite, íamos para o cabaré, que trazia um caminhão cheio de mulheres", diz enquanto solta uma gargalhada. Sobre o Encontro de Culturas Tradicionais, ele diz que "não gosto, é muita gente e muito barulho". Mas em seguida abre um sorriso para falar todo orgulhoso que, no ano passado, dançou forró nas 10 noites do evento. "O dia que vim mais cedo para casa já passava das duas horas", se orgulha.
Logo que aparece nos bares, seu Domingos é cercado pelos jovens, que o vêem como um símbolo da região. Para os mais novos, ele tem várias histórias de cobras e onças para contar, o que logo provoca a gargalhadas dos turistas. Mas está na chamada sabedoria popular o que os jovens mais gostam de ouvir, os conselhos e definições de seu Domingos. "A gente gasta que nem ferramenta. Para trabalhar tem que amolar e, na amolação, vai se perdendo o aço", avisa este colecionador de chapéus, que adora também óculos escuros, mesmo à noite, e já perdeu a conta do número de filhos, "acho que são uns oito", diz duvidoso.
Os cristais não apenas atraíram os garimpeiros, que começaram a chegar na vila de São Jorge na década de 40. Com o tempo, vieram também místicos, religiosos e astrólogos. Entre eles, um grupo de 10 estudantes que, no início dos anos 90, cursava filosofia em Goiânia e vinha para cá, aos finais de semana e feriados, "estudar, tocar violão e fazer fogueira, já que não tinha energia elétrica", conta Cassiano Veronese, que documentou essa história no livro Histórias da Chapada - Contos da Cultura e do Planalto.
"Os companheiros tratavam de fazer um café ou um mate. As cadeiras a fio, de madeira, ou mesmo as banquetas junto à mesinha de centro improvisada, no meio daquele mundo azul e verde do Planalto Central", diz um trecho da obra, que mostra da ligação com a natureza, tão característica das pessoas dessa região.
Os estudantes foram crescendo e hoje, aos 32 anos, Cassiano e seus amigos continuam passando os finais de semana no mesmo lugar. Em 1997, sem patrocínio, começaram a construção da Casa de Cultura Cavaleiros de Jorge. Toda feita de pedras e com uma arquitetura rústica, o imóvel ainda não está terminado, mas já abriga shows, trabalhos fotográficos e tem, nas paredes, várias telas de Moacir, o mais conhecido artista plástico de São Jorge.
Foi também com esse grupo de amigos que Juliano George Basso começou a freqüentar a vila. Hoje ele é coordenador do Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Viadeiros, que começou na 6ª feira (23) e vai até o dia 1 de agosto. Nesse período 27 grupos populares se apresentarão nos palcos de São Jorge, que recebe milhares de visitantes para quarta edição dessa manifestação popular. "O Encontro vem para provocar o pensamento das pessoas sobre o que é a identidade brasileira", resume Juliano.