29/06/2010 - 11h58

Argentina nega bloqueio a importações de produtos alimentícios europeus

Luiz Antônio Alves
Correspondente da Agência Brasil na Argentina

Buenos Aires - No mesmo dia em que negociadores do Mercosul e da União Europeia iniciam, na capital argentina, encontro para acertar acordo de livre comércio entre os dois blocos, o governo de Cristina Kirchner voltou a negar a existência de qualquer restrição às importações de produtos orignários da zona do euro. O chefe de Gabinete de Kirchner, Aníbal Fernandez, disse hoje (29) que não há nenhuma ação específica para bloquear a entrada de produtos europeus na Argentina.

Ontem (28), o porta-voz da área de Comércio da União Europeia, John Clancy, acusou a Argentina de adotar medidas protecionistas contrárias às normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) e ameaçou cancelar as negociações entre o Mercosul e os países da zona do euro previstas para começar hoje em Buenos Aires.

Clancy disse em Bruxelas, capital da Bélgica, que a Grécia havia apresentado uma reclamação sobre o bloqueio argentino de exportações de conservas alimentícias, "violando as normas do comércio internacional". Exportadores gregos afirmaram que importadores argentinos haviam cancelado ou suspendido contratos no valor de US$ 2 milhões relativos à compra de pêssegos.

Ontem, a ministra da Indústria, Debora Giorgi,  negou que a Argentina esteja bloqueando exportações da União Europeia. "Não temos, até agora, o registro de atrasos na entrada de nenhum produto europeu em território argentino", informou a ministra. "Por outro lado, esperamos discutir os subsídios, as normas sanitárias e os impostos alfandegários especiais que a União Europeia utiliza para produtos agrícolas e alimentos importados".

O secretário argentino de Indústria, Eduardo Bianchi, também falou ontem sobre o assunto e rebateu o secretário de Comércio John Clancy, ao afirmar que "se há um mercado que está bastante protegido contra as importações de produtos alimentícios é justamente o da União Europeia".

O encontro entre negociadores do Mercosul e da União Europeia, previsto para começar hoje em Buenos Aires, é a primeira iniciativa concreta para que os dois blocos  retomem as conversas sobre um acordo de livre comércio, iniciadas em 2000 e interrompidas em 2004. O encontro é consequência do anúncio feito no dia 17 de maio deste ano pelo primeiro-ministro da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, durante a 6ª Cúpula União Europeia, Mercosul e Caribe, realizada em Madri.

Na ocasião, Zapatero informou oficialmente que os dois blocos haviam tomado a decisão política de retomar as negociações sobre o tratado de livre comércio. A Espanha ocupa, atualmente, a presidência rotativa do bloco europeu. O Mercosul é formado pelo Brasil, a Argentina, o Uruguai e Paraguai. A União Europeia integra 27 países. A população dos dois blocos chega a 700 milhões de pessoas, o maior grupo de consumidores do mundo.

As exportações do Mercosul à União Europeia atingiram, em média, US$ 55 bilhões no período 2006/2008. Um acordo  de livre comércio entre os dois blocos ampliaria esse total em 5 bilhões de euros, o equivalente a R$ 11 bilhões. Os países da chamada zona do euro são os principais investidores diretos na região do Mercosul.

Edição: Graça Adjuto
 

 

29/06/2010 - 11h50

Clima mais ameno não vai interferir na produção de grãos do Paraná, avaliam técnicos

Lúcia Nórcio
Repórter da Agência Brasil

Curitiba – O veranico dos últimos dias no Paraná, com temperaturas de até 30 graus Celsius (ºC) em alguns municípios, não vai interferir na expectativa de uma boa safra de grãos no estado em 2010. O Paraná mantém a liderança na produção de grãos.

Segundo o diretor do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria da Agricultura, Francisco Siomini, já foram plantados 90% de um total dos 1,1 milhão de hectares de trigo previstos para este ano.

Com isso, aumentou a participação do estado na produção nacional do grão de 50% no ano passado para 57%, devido à previsão de redução ainda maior no plantio no Rio Grande do Sul, segundo Siomini. O Paraná deve produzir 2,96 milhões de toneladas.

A segunda safra de milho e dos cereais de inverno, como aveia e cevada, também está dentro das expectativas, inclusive com aumento na produção. A projeção de crescimento supera os 50%, passando de 84,9 mil toneladas em 2009 para 129,5 mil toneladas este ano. A produção de cevada deve aumentar em torno de 28%, passando para 160.1 mil toneladas.

As lavouras de milho e soja são consideradas carro-chefe da produção agrícola no Paraná. O plantio de milho da segunda safra deve produzir quase o mesmo volume do período do verão.

Devem ser colhidas 5,85 milhões de toneladas, aumento de 30% sobre a produção do ano passado. Com as duas safras, o Paraná vai produzir 12,66 milhões de toneladas do grão, um aumento de 13% sobre o resultado do mesmo período do ano passado.

De acordo com o diretor do Deral, a soja já está toda colhida. Os 14,2 milhões de toneladas representam um aumento de quase 51% em relação ao mesmo período do ano passado, quando a produção atingiu um volume de 9,4 milhões de toneladas.

Como a agricultura do Paraná não foi afetada este ano por adversidades climáticas, deverão ser colhidos 31,15 milhões de toneladas de grãos, que correspondem a uma participação de 21,4% na produção nacional.

Segundo o meteorologista Marcelo Brauer, do Instituto Tecnológico Simepar, as temperaturas devem continuar altas e sem ocorrência de chuvas pelo menos até o próximo domingo(4).  Ele explicou que está acontecendo um bloqueio atmosférico no estado, com uma massa de ar quente e seco impedindo a chegada de nova frente fria.

“Normalmente o inverno no Paraná é seco. Este ano, os veranicos em vez de maio, como é de costume, estão acontecendo no mês de junho, mas isso já aconteceu outras vezes” disse o meteorologista à Agência Brasil.

Edição: Tereza Barbosa

29/06/2010 11:21

NEWS IN ENGLISH – More rain frightens flood victims

Ivan Richard Reporter Agência Brasil

Maceió, Alagoas – A little more than a week after flash floods killed at least 34 people and caused enormous damage in 28 municipalities, Civil Defense authorities in Alagoas are warning the population near the Mundaú and Paraiba rivers to be on the alert. More rain is coming.
During the month of June it rained far above average in Pernambuco and Alagoas, two poor states in the poor Northeast region of Brazil. In some places the rainfall during a three-day period in mid-June was three times the monthly average. By the 18th rivers were swollen, the ground was saturated and dams and dikes were trying to burst their seams. And then they burst. The tragedy began when a dam collapsed at Canhotinho, Pernambuco (pop. 24,000), located 210 kilometers west of the state capital, Recife (on the coast), and a little more than 100 kilometers from Maceio (also on the coast), capital of Alagoas, to the south). The dam at Canhotinho on the Canhoto River was washed away late in the afternoon. Three hours later, moving south like a small tsunami toward the sea the water broke through another dam at Usina Serra Grande, in the state of Alagoas (this sugar mill was founded in 1894 and is one of the state’s biggest producers of sugar and ethanol). After another three hours, the wall of water roared into the Mundaú River where it devastated the town of União dos Palmares, also in Alagoas (pop. 62,000) (this is a historical area populated as far back as the end of the 16th century by runaway slaves. It is often called "Land of Liberty," as it was there at the end of the 17th century that the Negro leader, Zumbi, established a shortlived empire of free Negroes. Zumbi was executed on November 20, 1695 - a date now commemorated in Brazil as Negro Day "Consiência Negro").  By the time the raging tide reached the next city downriver, Branquinho (pop. 12,000), it had so much force it razed 90% of the building in the urban center and, with the river waters now six meters above its normal level, railroad tracks were twisted like spaghetti. The mayor of Branquinho says she will have to practically rebuild the city, but she intends to do so in a different location, far from the river.
Note of explanation: União dos Palmares, in Alagoas (Land of Liberty), was hit by floodwaters from the Mundaú River. Palmares, in Pernambuco (Land of Poets), was struck by floodwaters from the Una River. Both Palmares and the Una River are north of the state of Alagoas.                                                                   President Luiz Inacio Lula da Silva cancelled his trip to the G-20 meeting in Toronto because of the tragedy. On Thursday, June 24, he was in the region (which is near where he was born). Beginning on Friday, June 25, he has led the effort to get assistance to a part of the country where assistance was precarious at best in the past and is now mostly nonexistent (differently from other parts of Brazil that have had problems with rainfall this year. The South (Santa Catarina) and the Southeast (São Paulo and Rio) have good infrastructure. That is not the case in the Northeast where Pernambuco and Alagoas are located).

Allen Bennett - translator/editor The News in English
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29/06/2010 - 10h50

Contas do Governo Central têm pior resultado primário para meses de maio desde 1999

Daniel Lima
Repórter da Agência Brasil

Brasília - O resultado primário do Governo Central (Banco Central, Tesouro Nacional e Banco Central) foi deficitário em R$ 509,7 milhões em maio, segundo informou hoje (29) o Ministério da Fazenda. Foi o pior resultado para o mês desde de 1999, quando foi registrado um déficit de R$ 650 milhões.

O resultado primário é a diferença entre o que o país arrecada e o que gasta, da qual é tirado um percentual para honrar compromissos financeiros do país, inclusive o pagamento de juros da dívida pública.

Em maio, o Tesouro Nacional registrou superávit de R$ 2,1 bilhões, enquanto a Previdência Social e o Banco Central registraram déficits de R$ 2,6 bilhões e R$ 39,3 milhões, respectivamente.

Em maio do ano passado, o Governo Central também registrou resultado negativo, de R$ 366,9 milhões.

No acumulado do ano, o resultado passou para R$ 24,209 bilhões, acima dos R$ 19,157 bilhões de igual período do ano passado. A meta do governo para o segundo quadrimestre é de R$ 40 bilhões.

De acordo com o Tesouro Nacional, os investimentos cresceram 79,9% em 2010 em comparação com 2009. As despesas com o PAC aumentaram 89%. No período, o crescimento da receita bruta do Tesouro Nacional, de 8,43%, reflete a recuperação dos principais indicadores econômicos.

As transferências para Estados e Municípios nos cinco primeiros meses do ano tiveram um aumento de R$ 6,4 bilhões em comparação com o mesmo período do ano passado (12,4%), elevando-se para R$ 58,2 bilhões frente aos R$ 51,7 bilhões do ano passado.

As despesas do Tesouro Nacional totalizaram 11,9% do Produto Interno Bruto (PIB) – a soma de bens e serviços produzidos no país - até maio de 2010, contra 10,47% no mesmo período do ano passado.

Em termos nominais, verificou-se aumento de R$ 27,6 bilhões (21,5%) na mesma comparação, com destaque para as despesas de custeio e de capital de R$ 22,4 bilhões (33,3%), e de R$ 5,1 bilhões (8,4%) nos gastos com pessoal e encargos sociais.

Edição: Tereza Barbosa

29/06/2010 - 10h43

Músicas lembram dias de isolamento em hospital pernambucano

Lisiane Wandscheer
Enviada Especial

Camaragibe (PE) - “As portas já vão se abrindo, a gente pensa que é prá ir simbora, é as coleguinhas que vem chegando prá ficar presa nessa gaiola [sic].” Os versos cantados pela pernambucana Maria da Conceição Buarque Negromonte de Lima, 59 anos, remetem aos dias de sofrimento vividos no Hospital Psiquiátrico José Alberto Maia, em Camaragibe, a 10 quilômetros de Recife.

“Estamos todos emagrecendo, lavando roupas de pés no chão. Cadê a boia do pessoal, há o duro feijão sem sal e mais atrás vem um macarrão, parece cola de colá caixão, mais atrás vem a sobremesa, banana podre prá botá na mesa e mais atrás vem a batatinha, parece chumbo de matá galinha [sic]”, completa Maria da Conceição, que sempre gostou de cantar.

A música era direcionada ao então diretor do hospital e rendeu a Maria da Conceição um longo castigo. Ela ficou isolada em um quarto sem café da manhã, almoço e jantar e apanhou muito.

Apesar das lembranças ruins, Maria da Conceição canta músicas que ironizam, com bom humor, a própria vida. Ela explica que nunca se casou porque não podia tomar conta de uma casa. Teve a primeira crise ainda na escola e, agora, aos 59 anos, diz que está muito velha para casar.

“Pirapó, vitalina bota pó, moça velha se chama de caritó. Moça velha quando faz de confessar, o padre diz: minha filha, vá rezar porque moça velha não precisa se casar [sic]”, canta Maria da Conceição que hoje vive em uma residência terapêutica com mais seis ex-internos do hospital pernambucano.

Lígia Costa faz parte do grupo. Filha mais nova de uma família de três irmãos, ela conta que foi levada ao José Alberto Maia aos 12 anos de idade e só saiu de lá 40 anos depois. A mãe morreu quando ela era pequena. O pai era o único que a visitava.

“Eu nasci doente. Fiquei mais de 40 anos no hospital. Perdi toda a minha mocidade lá. Depois pedi a Deus para me libertar. Eu sofri muito. Foi uma benção essa casa [residência terapêutica]. Aqui é uma paz”, afirma.

Ela relata que sofria violência física frequentemente e que não tinha roupas para vestir. No hospital, Lígia teve duas filhas: uma, com um primo que a visitava e outra, com um paciente. “À minha primeira filha dei o nome de Fabiana, mas a levaram logo que nasceu. A segunda, a Tatiane, a última vez que a vi, ela tinha 12 anos. Depois me disseram que ela não queria mais me ver. Eu chorei tanto”, lamenta.

No armário do quarto que divide com a melhor amiga, Lígia guarda uma boneca loira a quem deu o nome da filha mais nova. “Eu adoro esta boneca é o meu bebezinho.”

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo

29/06/2010 - 10h40

Gaúcha conquista casa própria depois de passar 20 anos em hospital psiquiátrico

Lisiane Wandscheer
Enviada Especial

Porto Alegre – Receber pela primeira vez a conta de luz na porta de casa fez com que Heloísa Monteiro Baraci, 55 anos, se sentisse parte da sociedade. Há 12 anos, ela foi morar sozinha depois de deixar o Hospital Psiquiátrico São Pedro, na capital gaúcha.

“Quando vi a conta de luz fiquei muito feliz, não sabia se ria ou se chorava. Eu olhei bem se era para mim e vi meu nome escrito na conta. É uma responsabilidade, né? Naquele dia eu era como outra pessoa da sociedade”, afirma.

A vida de Heloísa é parecida com a de outras pessoas que, em função de uma história pessoal marcada pela pobreza e pelos maus-tratos, ficaram isoladas por muitos anos em um hospital psiquiátrico. Aos 12 anos, Heloísa fugiu de casa e foi morar na rua porque era maltratada pela madrasta, com quem seu pai teve 11 filhos.

“Minha madrasta batia em mim, eu me tratava no posto de saúde e voltava pra casa. Até que eles acharam que não adiantava mais me tratarem para depois eu apanhar em casa de novo e me internaram no São Pedro”, conta.

Heloísa diz que superou as duas décadas de internação e conta que foi preparada para sair do hospital, mas alguns médicos eram contrários e diziam que ela não tinha condições.

“No dia em que saí, eu chorei. Eles diziam que eu não ia conseguir. 'Não dou dois dias para você voltar para o São Pedro', falavam, mas eu lutei e consegui. Tem muita gente lá dentro que podia estar aqui fora também”, destaca.

Heloísa retornou ao hospital, mas não para ser internada. Hoje, ela trabalha no local onde faz cafezinho e entrega os medicamentos nas unidades médicas. Ela ganha R$ 250, além do benefício do programa de Volta pra Casa no valor de R$ 320 e de uma pensão, que divide com a madrasta, do pai que era policial militar. O dinheiro é administrado por uma tutora que a cada semana lhe repassa uma parte.

Ela paga R$ 22 mensais de prestação da casa própria, adquirida por meio de um programa habitacional da prefeitura de Porto Alegre. No quarto dela, há uma grande janela por onde entra muita luz. “Quando cheguei a minha casa a primeira coisa que fiz foi abrir a janela do meu quarto. No hospital não tem janelas para a gente abrir”, lembra.

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo
 

29/06/2010 10:37

NEWS IN ENGLISH – Devastation in “Land of Poets”

Daniella Jinkings Special Dispatch for Agência Brasil

Palmares, Pernambuco – More than two hundred years of history and local culture disappeared last weekend when an overflowing, raging Una River washed away a large part of the city of Palmares. The city was founded around 1862, and named in honor of the Quilombo dos Palmares in Alagoas (a city founded by escaped slaves – “quilombos”).
Palmares, Pernambuco, is known as “Land of the Poets” because of the many writers born there. Among them, Ascenso Ferreiro (1895-1965), Hermilo Borba Filho (1917-76) and Jayme Griz, who died in 1981. Griz wrote knowingly of the rains that punish the region regularly.
“Suddenly, rain, rain, rain, rain, rain, rain that batters one’s patience/ So much rain that even frogs beg for clemency from the heavens/ Mother Nature gone mad/ And if She has lost Her mind/ She who knows so much and is a mother to so many/ Little wonder that the rain, rain, rain, rain, rain, rain drives me crazy”

Allen Bennett – translator/editor The News in English
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29/06/2010 - 10h37

Ex-interno vai coordenar área de saúde mental de município no Amazonas

Luana Lourenço
Enviada Especial

Manaus - Aos 37 anos, Setemberg Rabelo vai votar pela primeira vez nas eleições de outubro. Portador de transtorno psíquico, ele passou anos sem direito à cidadania, escondido atrás das estatísticas de saúde mental, nos prontuários do Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, em Manaus.

“A internação desqualifica você como ser humano, nos tiram coisas básicas, como olhar no espelho, vestir uma roupa que não seja coletiva. É como se doido não fosse cidadão”, compara.

Desde o primeiro surto, ainda na adolescência, até o último, há cerca de três anos, Rabelo passou por várias internações, tornou-se umas das referências na luta antimanicomial no Amazonas e está prestes a assumir a gestão de saúde mental do município de Manacapuru município da região metropolitana de Manaus.

A militância pela reforma psiquiátrica foi motivada pelo horror vivido durante as internações no hospital psiquiátrico. “Eu achava que estava preso em uma penitenciária. Demorei a me dar conta de que era um hospício, me perguntava por que fui parar ali.”

Depois da passagem pelo hospital, foi a vez do preconceito. “Você é chamado de louco. As pessoas começam a te olhar com medo, no supermercado, na fila do pão. Você vai passando e as mães pegam as crianças no colo”, lembra.

A revolta e o estigma da loucura, que afastaram Rabelo dos amigos e da convivência social, levaram-no a tentar suicídio e a pensar em matar a própria família. “Depois de tudo isso, saí denunciando, comecei a reivindicar. E foi mais ou menos na época da aprovação da lei [nº 10.216, que regulamenta a reforma psiquiátrica no Brasil]”.

Rabelo buscou o apoio do Instituto Silvério de Almeida Tundis (Isat), organização não governamental que dá suporte à reforma psiquiátrica no estado, e passou a contar sua experiência em eventos sobre saúde mental pelo Brasil e até no exterior.

Usuário de um dos centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Manaus, o ex-interno quer usar a experiência dos anos vividos atrás das grades do hospício para não repetir erros e garantir a implementação dos serviços de saúde mental de base comunitária no município de Manacapuru.

“Pensamos não só em construir Caps, nosso compromisso é implantar uma rede de cuidados. O desafio vai ser mostrar que a loucura está dentro do contexto da sociedade, que ela não pega. Se a comunidade compreender isso, as pessoas [com transtornos mentais] sofrerão menos”, avalia.

Rabelo diz que ainda é chamado de louco, mas o estigma parece não incomodar mais. “Posso dizer que sou louco pelo meu trabalho, pela minha família, pelo movimento antimanicomial, pela Amazônia”, brinca.

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo

 

29/06/2010 - 10h34

Obra do Bispo do Rosário ganhará museu em 2011

Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - O artista plástico Arthur Bispo do Rosário transpôs seus delírios, diagnosticados como esquizofrenia, com a criatividade. Transformou “alienações” em peças comparadas por críticos às obras de Andy Warhol e Marcel Duchamp. Os objetos poderão ser apreciados em um novo museu, que deve ser inaugurado até o final de 2011, na capital fluminense.

Nascido no início do século 20, em Sergipe, Bispo do Rosário veio para o Rio onde foi internado aos 29 anos.

Há poucas referências sobre sua origem. Sabe-se que era de uma família de negros católicos. A socióloga Marta Dantas, que acaba de lançar um livro sobre o artista, conta que ele se dizia filho de Deus, adotado pela Virgem Maria e “aparecido” no mundo.

De acordo com a pesquisadora, que fez um levantamento sobre a vida e a obra do artista, a inspiração de Bispo para seus trabalhos apareceu depois que “sete anjos anunciaram que ele havia sido o eleito pelo Todo Poderoso”, e que sua missão na terra “consistia em julgar os vivos e mortos e recriar o mundo para o Dia do Juízo Final”.

Conduzido por “vozes sagradas”, fez cerca de 800 peças desfiando uniformes de manicômios, juntando lixo e sucata. O destaque é o Manto da Apresentação - traje que deveria ser usado durante a “passagem”. Durante 50 anos de internação, a maior parte na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio (onde foi submetido a eletrochoques), compôs também assemblages (técnica que consiste na justaposição de elementos), estandartes e sua cama-nave.

”Não é possível criar um novo universo senão partindo de um ponto fixo. Por isso, fez dos lugares onde morou [quartos, sótão, celas] templos - longe dos olhares curiosos e profanos, onde ele escondia os mistérios de um outro mundo em formação”, afirma Marta Dantas em Arthur Bispo do Rosário - A Poética do Delírio.

A obra do artista foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Artístico e Cultural (Inepac) e está parcialmente exposta em um antigo museu na Juliano Moreira. Por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a prefeitura constrói um espaço mais amplo para abrigar todo o acervo do artista, morto na instituição, em 1989.

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo

 

29/06/2010 - 10h29

TV Pinel serve de terapia para pessoas com transtornos mentais

Isabela Vieira
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - Contar na telinha da televisão os conflitos do personagem Homem Robô, retirado de uma canção de mesmo nome do grupo Harmonia Enlouquece, foi uma tarefa que consumiu algumas canetinhas coloridas e três meses do desenhista da TV Pinel, Henrique Monteiro, 47 anos.

Aluno de uma oficina de comunicação comunitária do Instituto Philippe Pinel, que trata pessoas com transtornos mentais, Henrique Monteiro, usuário da rede de saúde, produz um clipe da música em formato de história em quadrinhos. A canção tem cerca de três minutos e a obra está quase pronta.

”Eu queria mesmo era ter uma [filmadora] Super 8. Estou me realizando aqui, aprendendo a usar uma câmera, a fazer o clipe. Acho que estão gostando, me chamaram até para pintar as portas das salas da TV”, conta o artista plástico, que recebe uma bolsa de R$ 140 para frequentar o projeto. O Instituto Philippe Pinel é ligado à prefeitura do Rio.

A TV Pinel reúne pacientes com transtornos mentais vindos de várias unidades do município, parentes e interessados em fazer comunicação comunitária. No local, há sala para locução, estúdio e central de edição, sem muitos requintes. Lá, técnicos ensinam a gravar, a sonorizar e a editar. O resto fica por conta da criatividade dos alunos, que, ao final, apresentam publicamente os trabalhos. A última exibição foi em 18 de maio, Dia da Luta Antimanicomial, na Cinelândia, centro.

Neste ano, as oficinas com cerca de dez pessoas começaram em março. Durante o curso serão feitos programas de televisão em formato de revista, sobre assuntos variados, com a inserção de clipes, paródias de comerciais e novelas, esquetes e até entrevistas.

Os professores contam que não têm problemas com os alunos. Segundo o editor Alexandre de Jesus, conhecido por Xanduca, as aulas seguem o mesmo formato de cursos para pessoas “que ainda não tiveram nenhum transtorno”.

Ele conta que, às vezes, a produção “sai do script para dar tempo a um paciente que precisou se afastar por motivos médicos”. Mas rapidamente a TV se organiza para não perder o que já foi feito.

“Substituímos a pessoa, aguardamos ela voltar. A gente aprende a lidar com a diferença, todo mundo tem algum tipo de problema. Até as pessoas ditas normais, que ainda não apresentaram alguma doença, têm problemas pessoais”, lembra Xanduca.

Desenvolvida para ser um dos espaços terapêuticos do instituto em 1996, em meio às discussões sobre a reforma psiquiátrica, a TV Pinel nasceu da participação da comunidade hospitalar que desde então participa da idealização e produção de programas.

No início, a ideia era defender o tratamento humanizado, aproximar os pacientes do hospital, assim como usuários de outras unidades, funcionários e médicos com a criação de um espaço de convivência. Nos últimos anos, tornou-se um instrumento capaz de dar visibilidade criativa aos pacientes e “mudar o imaginário que se faz da loucura”, destaca a coordenadora da TV Pinel, Vera Roçado.

O trabalho já rendeu muitos prêmios, matérias nos principais jornais do país e recursos para a manutenção do projeto, de R$ 200 mil por mês, pagos pela prefeitura. Psicóloga, Vera Roçado diz que a iniciativa traz avanços surpreendentes para os pacientes, que deixam de se sentir incapazes ou estigmatizados. Mas, segundo ela, quem ganha mesmo com a TV, é a comunidade.

”O importante é a criação de novas possibilidades de vida. Isso muda a sociedade, que vê como [os pacientes] podem ser diferentes daquele estereótipo da loucura”, afirma Vera. “Na sociedade há um preconceito, medo, e, quando mostramos a parte artística, sensibilizamos.”

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo
 

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