Luana Lourenço
Enviada especial
Campinas (SP) - O fim da consulta pública ao anteprojeto de lei sobreacesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, concluída noúltimo fim de semana pela Casa Civil, impulsionou debates sobre oacesso à biodiversidade para pesquisa, durante a 60ª Reunião Anual daSociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O texto deve ser apresentado como uma alternativa àMedida Provisória 2.186-16, que desde 2001 regulamenta a questão e,segundo cientistas, limita o desenvolvimento de pesquisas e trata ospesquisadores como “biopiratas”. “Entendem a pesquisa como uma ameaça; que precisa demonitoramento. Antes de pensar uma legislação que proteja, deveríamosavançar em uma legislação para garantir conhecimento sobre a natureza.Só protegeremos, conhecendo”, argumentou hoje (17) o presidente dehonra da SBPC, Ennio Candotti. “Se Darwin estivesse pedindo autorização parapesquisar no Brasil nos dias de hoje, provavelmente não conseguiria enão teríamos a Teoria da Evolução”, comparou. O pesquisador defende a criação de um instrumentojurídico para garantir o direito ao acesso dos recursos naturais parafins de pesquisa. “Precisamos com urgência de um habeas para oconhecimento e dos dados da natureza para que tenhamos o direito desermos considerados inocentes até que se prove o contrário, um HabeasData Naturae. Hoje em dia não há possibilidade de recursos”, afirmouCandotti ao citar o caso do pesquisador do Instituto Butatan, CarlosJared, que foi multado e teve o laboratório revirado por agentes daPolícia Federal e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) após tentar enviar amostras de tecido de ummicróbio para o exterior. “No Brasil há uma visão equivocada de achar que umalei muito repressiva é muito boa. Mas, na prática, a aplicação deregras muito repressivas tende a ser flexibilizada, o que gerainclusive desmoralização da legislação. O que é necessário é garantir,na lei, mecanismos de prestação de contas e de transparência”, sugeriuo ambientalista, advogado e consultor Fábio Feldman. Um dos principais entraves listados pela comunidadecientífica em relação à MP e ao anteprojeto em análise na Casa Civil éa necessidade de aprovação das pesquisas pelo Conselho de Gestão doPatrimônio Genético (CGEN), instrumento “da burocracia brasiliense”,segundo Candotti. De acordo com a pesquisadora Nadja Lepsch Cunha, doInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), desde 2001, o CGENsó concedeu 11 autorizações de pesquisa. Atualmente, segundo ela, cerca de 60 projetos estãosobrestados, ou seja, pediram ajuste de conduta para dar continuidade às pesquisas, mas dependem de decisão da Advocacia-Geral da União. “E eu imagino que muitos outros pesquisadoresdeixaram de pedir ajustamento de conduta ao CGEN exatamente esperando adecisão da AGU”, calcula. No debate de hoje (17), os pesquisadores cogitaram,inclusive, organizar uma ida ao Supremo Tribunal Federal (STF) compedidos de habeas corpus preventivos para garantir a continuidade daspesquisas. “Vamos criar o GT [grupo de trabalho] do habeas corpus”,brincou a pesquisadora Vera Val, da SBPC. A representante do Departamento do PatrimônioGenético do Ministério do Meio Ambiente, Maria Celeste Emerick, nãocompareceu ao debate.