Marco Antônio Soalheiro, João Carlos Rodrigues e Ivanir José Bortot
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - APolícia Federal se prepara para reforçar, em agosto deste ano, a sua capacidade operacional na Amazônia, com oobjetivo de combater de forma mais eficiente a passagem de armas e drogas na fronteira brasileira, informou hoje (7) à Agência Brasil o diretor-geral da PF, o delegado Luiz Fernando Corrêa. Durante entrevista exclusiva, ele também revelou outra preocupação da PF: o avanço dos crimes financeiros e do tráfico de drogas sintéticas. Comentou ainda que o ex-banqueiro Salvatore Cacciola , preso no Principado de Mônaco, será transferido para o Brasil como outro preso qualquer e negou a presença das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no território brasileiro. A transferência do comando da PF para a Amazônia, durante 15 dias,faz parte da estratégia de equipar melhor a instituição para o novo cenário docrime. Tanto é assim que as açõesirão além da destinação de um maiornúmero de agentes para região, o que já vem ocorrendodesde dezembro de 2007. “Vamosfazer uma direção itinerante. Ficaremosem Manaus e visitaremos todos os nossos postos para começar aatender as demandas que foram levantadas, como reforma deinstalações, radiocomunicação e maisequipamentos de inteligência, que vão nos dar maiorcapacidade de monitoramento”, ressaltou Corrêa.Paralelamente, a PF também está cada vez mais preocupada com a crescente especialização dos criminosos. “A prospecçãode cenários nos indica uma exigência de aprimoramento naquestão da investigação financeira", disse Corrêa, instalado em seu amplo gabinete, no nono andar do prédio de vidros escuros que reúne o comando nacional da PF, no Setor de Autarquias Sul, em Brasília.O crescimento do tráfico e do consumo de drogas sintéticas também já foi diagnosticado pela PF. "Há indicação de uma maior presença das drogas sintéticasem substituição às naturais", ressaltou Corrêa. Os crimescibernéticos, acrescentou ele, igualmente aumentaram, seja por meio de operações financeiras criminosas ou da pedofilia.Com quase 30 anos de experiência policial, o diretor da PF defendeu o aprimoramento do trabalho de inteligência como algo primordial para ter êxito no combate ao crime organizado, à corrupçãono poder público e à lavagem de dinheiro. Isso porque, acrescentou, asorganizações criminosas se sofisticaram e atuamdissimuladas em atividades lícitas.“A cada momento, temosque entender o que está por trás [do crime] e nosso papel éidentificar a organização: quem leva, quem traz, quemfinancia e quem distribui. É preciso entender que é daessência da atuação do crime organizado acooptação de agente público. Combater acorrupção e evitar a sangria dos cofres públicosé um ato de cidadania e respeito à sociedade”, afirmou Corrêa.Naentrevista, o comandante da PF rechaçou críticasde que há uma atuação política dosagentes e abordou temas polêmicos, como o vazamento deinformações e espetacularização dasoperações. ABr- Que papel aPolícia Federal pode cumprir na Amazônia dentro daestratégia do governo federal de reforçar o controlenaquela região?Luiz Fernando Corrêa - Éatribuição constitucional da PF o combate aos crimesambientais. Até então a polícia trabalhava areboque dos órgãos administrativos , como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis].Esses órgãos faziam sua atuação eremetiam autos para a Polícia Federal instaurar um inquérito.Isso caracterizava uma ação reativa. Então nósresolvemos com a Operação Arco de Fogo substituir areatividade por uma proatividade, levando a polícia para a Região Amazônica e atacando os focos de desmatamento ecarvoarias. Isso é uma atuação complementar ànossa planta permanente. Desde dezembro todas as turmas formadas na Academia de Polícia prioritariamente estão sendo destinadas para a Amazôniae fronteira, atendendo as macropolíticas do país. Na Amazônia, nós entendemos que, com o aumento do efetivo e amelhora das condições de trabalho, os resultados serãopositivos. A partir de agosto estamos indo para a região,fazer uma direção itinerante, nos instalar por 15 diasem Manaus e visitar todos os nossos postos para começar asatender as demandas que foram levantadas, como reforma deinstalações, radiocomunicação e maisequipamentos de inteligência que vão nos dar maircapacidade de monitoramento. ABr- O transporte dedrogas é o que mais preocupa e exige cuidados? Corrêa - Nafronteira e particularmente na Amazônia, quanto maior for anossa presença maior é a capacidade de contençãodo ingresso de armas e drogas. Agrande ferramenta para a contenção é ainteligência. Por isso, é importante descentralizar para garantir respostas mais rápidas em parceria com as ForçasArmadas. ABr - A presençade integrantes das FARC (Forças Armadas Revolucionáriasda Colômbia) em território brasileiro émonitorada pela PF? Corrêa - Nós temos, junto com a Abin [Agência Brasileira de Inteligência], acompanhado esses movimentos.As informações que temos é detrânsito de pessoas que estão eventualmente aqui, masde maneira pacífica. Então não podemos atribuirque este ou aquele é das Farc. O Brasil não temrestrições de ingresso, a não ser para pessoascom antecedentes criminosos. Se alguém apresentar algumcomportamento delituoso em nosso território serátratado da forma devida, mas não temos notícia deatuação específica enquanto grupo voltado parasequestro e narcoterrorismo. Se agir, será tratado comocriminoso em nosso país. ABr - A presençade drogas em comunidades indígenas da Amazônia exigeque tipo de resposta?Corrêa -Ou a comunidade está sendo indevidamente utilizada para oplantio ou há questões culturais próprias dosindígenas. Eu diria que é a mesma coisa com pequenosagricultores na região de maconha. Diante de uma dificuldadede logística para um cultivo legal, eles acabam se rendendo àpressão econômica do tráfico e fazem pequenasroças de maconha com retribuição financeiramaior do que a de uma plantação de cebola. Temos queter esse cuidado para ver se é algo espontâneo do índioou se está a serviço de uma organização,uma quadrilha de tráfico que esteja por trás explorandoa proteção que existe no território.ABr - A PF temum trabalho histórico de tentativa de estrangulamento dasrotas do tráfico para Estados Unidos e Europa. Isso fezsobrar droga aqui dentro e ela se espalhou por todo o país. Hoje, a maior preocupação ainda é estrangularrotas internacionais ou o caminho interno do tráfico?Corrêa -Trabalhamos para a sociedade brasileira , mas temos uma parcela deresponsabilidade no contexto internacional, porque os grandes cartéistêm atuação mundial. Mas o foco principal éproteger o Brasil. Um não exclui o outro. Sou policial háquase 30 anos e naquela época, em Porto Alegre, quem usavacocaína era a alta sociedade, grupos restritos que buscavam a droga noRio de Janeiro. Num dado momento, houve uma substituição,deliberadamente uma introdução para popularizar o consumo de cocaína,manobrada pelos cartéis, e os países não estavampreparados para o enfrentamento. Passamos a controlar insumos,estancando o fluxo de petroquímicos. Os grandes laboratórioseram na selva boliviana, peruana e colombiana, mas quando estancamosos insumos, a tendência era a pasta base vir e começar a proliferar pequenos laboratórios de refino no Brasil. Hoje, o acesso estámais fácil e as organizações criminosas sedissimulam em atividades lícitas. A cada momento, temos queentender o que está por trás e nosso papel éidentificar a organização: quem leva, quem traz, quemfinancia e quem distribui.ABr -O maior desafio para a PF ainda é chegar de fato a quem semantém nas grandes mansões e faz a engrenagem do crimeorganizado funcionar? Corrêa -Algumas coisas apontadas com indicativos de derrotas do Estado sãofatores positivos. Ninguém passa a utilizar avião notráfico de drogas porque é mais bonito. É porquepor terra está mais difícil. Ninguém agrega ônusà sua operação comercial. E o Estado com um todofoi melhorando. Hoje temos legislação de lavagem dedinheiro, investigação patrimonial, programas que nospermitem a partir da investigação financeira chegar àorganização criminosa. Quem trafica não querfazer mal à saúde pública; quer ganhar dinheiroe, se tivermos os olhos para isso, vamos evoluir. Hoje a PF interageinternacionalmente. Temos troca rápida de informações com paraísos fiscais e países que podem contribuir.Mas é um jogo permanente.ABr- NaOperação João de Barro, que apurou desvio derecursos em obras do PAC (Programa de Aceleração doCrescimento), algumas pessoas alegaram que a PF teria usadocritérios políticos. Como o senhor recebe esse tipo decolocação? Corrêa - Aquestão ali não é só PAC, mas astransferências voluntárias de qualquer verba federal por emendas, convênios e projetos. Uma organizaçãoque se montou para sugar esses recursos públicos. Temos umadecisão política de governo, que é oenfrentamento da corrupção e a PF cumpre. Nãointeressa a área ou o bem público. Os órgãosde controle como o TCU [Tribunal de Cointas da União] e a CGU[ Controladoria Geral da União] fazem sua atuação,constatam alguma irregularidade e nos informam. Nós passamos aanalisar e percebemos que por trás daquilo está umaorganização criminosa que se utiliza de cooptaçãode agentes públicos. Aí se deflagra a operação,jamais com qualquer conotação partidária.ABr- Outracrítica é quanto a uma suposta espetacularizaçãodas ações. A PF faz uma mea culpa ou isso nãoocorre? Corrêa - Nagestão anterior começou a elaboração deum manual de procedimento operacional, nós demos continuidadee já implementamos. Agora, a polícia quando cai emcampo e faz uma busca em 119 prefeituras, em um ministério ena Câmara dos Deputados não tem como não setornar visível. Nessa última [OperaçãoJoão de Barro], avisamos o presidente da Câmara [Arlindo Chinaglia] e oministro das Cidades [Márcio Fortes] e a polícia passou a manhã inteirafazendo buscas nessas duas instituições. Lápelo meio dia, quando não tinha mais como esconder, isso veioa público. Numa cidade pequena, se pára um carro da PFe começa uma busca chama a atenção. Entãonão é uma espetacularização proposital, mas decorrente dotamanho da operação. E há um zelo na imagem daspessoas. Pode comparar o antes e o depois. Tem diminuído aexposição, a não ser onde é fisicamenteimpossível preservar, onde a as instalações dapolícia não permitem que um preso desembarque nagaragem . Está num processo de diminuição. ABr - Pelapercepção do senhor, a corrupção no setorpúblico diminuiu ou aumentou? Corrêa -Não dá para fazer essa comparação. Dequatro, cinco anos para cá, temos uma disposição e uma vontade política de enfrentamento claro.É preciso entender que é da essência da atuaçãodo crime organizado a cooptação de agente público.Atuamos em cima de fatos e crimes. Combater a corrupçãoe evitar a sangria dos cofres públicos é um ato decidadania e respeito à sociedade. ABr - Como osenhor viu a manifestação do presidente do SupremoTribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, criticando o vazamento deinformações de investigações da PolíciaFederal? Corrêa -Temque se analisar o tempo de duração de uma investigação e o momentoem que vaza. Às vezes nós temos dois anos deinvestigação e ninguém fica sabendo de nada. Mas quando levamos para o Judiciário, as defesas passam a terlivre acesso e isso é panfleteado. Nós produzimos apeça e várias pessoas manuseiam . Durante dois anos em que aresponsabilidade foi exclusiva da PF não vazou. No momento meque envolve outras instituições começa ovazamento e eles acabam sendo atribuídos somente a nós.Isso não faz de nós o único provávelvazador. ABr- Vazarinformação é mesmo coisa de gângster, comodisse o ministro Gilmar Mendes ? Corrêa - Sealguém faz com intenção maliciosa é umaatividade criminosa. ABr- Comoa PF está se preparando para transportar o ex-banqueiroSalvatore Cacciola? Corrêa -Ele tem uma condenação pelo Rio de Janeiro e para nósserá um transporte de preso como outro qualquer. O comunicadooficial de Mônaco deve chegar hoje e eu preciso de umaautorização de trânsito do governo francês.São relações diplomáticas que têm queser cumpridas e uma vez feitas, vamos buscá-lo num vôode carreira e apresentá-lo como se fosse qualquer outro preso. ABr- Hoje a PFtem estrutura e salários adequados para cumprir o seutrabalho? Corrêa -Nenhuma categoria está sempre 100% satisfeita. Élegítimo que todo grupo profissional busque cada vez mais umretorno financeiro. Mas no quadro do serviço público aPolícia Federal está bem situada. Os salários ea imagem de credibilidade da instituição têmsido fatores de atração de quadros qualificados para osnossos concursos. ABr - Em relaçãoaos aspectos tecnológicos, nossa polícia está nonível das melhores do mundo? Corrêa -Estamos preparados para atender a demanda atual e dentro de umplanejamento estratégico que fizemos até 2022,definimos aonde queremos chegar. Preparamos ferramentas degestão muito modernas com foco na nossa atividade fim, que éproduzir provas. Somos uma Polícia Judiciária e nossosinvestimentos planejados a longo prazo observam uma tendênciade cenários prováveis. A tecnologia édesenvolvida para o bem, mas acaba sendo utilizada pelos criminosos,haja visto a internet. Temos uma tendência muito forte decrimes cibernéticos e isso tem um impacto em açõescomo escolher que perfil de profissional recrutar, que formaçãodar e que equipamentos comprar. Estamos num padrão tecnológicobom, mas fazer chegar isso em toda a territorialidade é umdesafio. Temos capacidade de adquirir mas temos que dotar ospoliciais de treinamento adequado. ABr - Essatecnologia de ponta é desenvolvida no país ou ainda épreciso importar? Corrêa -Na nossa formação foi buscada muita coisa láfora, mas fomos desenvolvendo doutrina própria e hámuitos equipamentos, inclusive, desenvolvidos no Brasil. Nósestamos no estado da arte em termos de inteligência. ABr - É apartir da inteligência que tantas operações sãodesencadeadas paralelamente? Corrêa - Esseé o efeito de um proposta que assumimos em descentralizar acapacidade de gestão, de inteligência e de operações.Nosso objetivo é que as 27 superintendências tenham amesma capacidade. Até bem pouco tempo os órgãoscentrais faziam grandes operações utilizando osefetivos dos estados. Nós queremos que as 27 unidadesproduzam. Isso já está na rotina..ABr - Quais sãoos tipos de criminalidade que mais preocupam para o futuro? Corrêa - Oque muda não é a modalidade criminosa, mas o métodode execução. A prospecção de cenáriosnos indica uma exigência de aprimoramento na questão dainvestigação financeira. Indica também uma maiorpresença das drogas sintéticas em substituiçãoàs naturais e dos crimes cibernéticos, que, inclusive,impactam na droga, nos crimes financeiros e na pedofilia.