Pesquisador defende discussão política sobre aplicação de recursos para cultura

29/04/2007 - 13h18

Alessandra Bastos
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O Ministério da Cultura lançou, na semana passada, dois livros com análises críticas sobre a política cultural brasileira e sobre a cultura na economia do país. O trabalho foi feito pelo pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Frederico Barbosa da Silva, que estuda o assunto há três anos e conversou com a Agência Brasil. A íntegra da entrevista é a seguinte:Agência Brasil: Qual as principais mudanças nas políticas culturais da década de 90 pra cá?Frederico Barbosa: O principal da década de 90 foi sair daquela grande crise das articulações das instituições culturais pelo governo Collor. A principal política foi articular um sistema de financiamento, principalmente por meio dos incentivos fiscais. Ao mesmo tempo, as instituições que são financiadas pelos recursos orçamentários foram se consolidando, fazendo reajustes internos e suportando a escassez de recursos.ABr: O que é preciso hoje para democratizar a cultura?Barbosa: É preciso primeiro decidir se esses recursos serão apenas direcionados à arte ou se vão construir um sistema de fomento para aqueles artistas de segmentos de arte que não têm acesso e recursos via empresas. Vai ser direcionado para que segmentos? Aqueles que já têm uma celebração do mercado, ou vai haver algum tipo de estratégia para também fomentar aqueles que não têm esse respaldo? É preciso uma discussão política sobre o direcionamento dos recursos, integrar os incentivos fiscais às políticas.ABr: Um maior alcance dos programas e das leis já existentes?Barbosa: Isso. Porque a decisão do investimento do Mecenato [incentivo fiscal, patrocínio] é da empresa, tem alcance restrito. A decisão do setor público é incentivar aquelas empresas que têm vocação nacional a deslocar recursos para outras regiões, deslocar recursos daqueles municípios que já são contemplados, financiar projetos sem visibilidade proporcionada pelo mercado. As estatais, de alguma forma, já fazem isso. Agora o ponto é melhor direcionar e fazer uma discussão mais fina.ABr: O ministro Gil [Gilberto Gil, da Cultura] continua tentando com o presidente Lula mais recursos. Por outro lado, a Lei Rouanet e o Mecenato ainda não operam da forma idealizada pelo ministério. O orçamento e os financiamentos continuam sendo os grandes desafios?Barbosa: Não houve grande avanço no orçamento. Tanto o governo passado quanto o atual mostram tendência de elevação de recursos para a cultura. Mas nada sai muito do padrão normal de aumento dentro do orçamento. Então, é muito difícil ter grandes saltos para aumentar ou mesmo diminuir o orçamento. Então, o recurso precisa ser melhor utilizado. O ponto forte não é o tamanho do orçamento, é maior clareza das prioridades, melhoria na forma de gastar e melhor articulação.ABr: A impressão que fica é a mudança de pensamento sobre o papel da cultura como direito constitucional igual à educação, à saúde...Barbosa: Isso é totalmente verdadeiro. Não é mérito só do governo Lula, mas desde o Fernando Henrique, e agora deu-se um salto na universalização da crença de que cultura é direito e uma peça importante para a geração de emprego e renda.ABr: Você acredita que a cultura passa agora por um momento decisivo com a discussão sobre a legislação da TV digital?Barbosa: Essa discussão, sobretudo da TV pública, é fundamental. Criar alternativas de redes, de emissoras.ABr: Todas essas análises estão no livro?Barbosa: Algumas ficaram de fora, devido à dimensão, mas são informações que estão indisponíveis. A gente tinha até uma idéia de criar um calendário de eventos, dada a quantidade de coisas que são feitas no Brasil.ABr: Era uma das idéia do Caderno de Propostas lançado na Conferência Nacional de Cultura, não?Barbosa: Era. Tinha até uma idéia-chave. Você chegar a um aeroporto e poder acessar o calendário de atividades de qualquer lugar do Brasil.ABr: Foi abandonada?Barbosa: Não, mas é difícil operacionalizar até para saber o que o próprio ministério fomenta. Imagina fazer um calendário de tantos segmentos. Mas ia ser legal, não ia?