Tramitação da PEC do trabalho escravo encontra barreira na "filosofia do direito à propriedade"

29/01/2005 - 14h11

Aloisio Milani
Enviado especial

Porto Alegre – Movimentos populares, parlamentares, entidades e governo cobraram no 5º Fórum Social Mundial a aprovação da proposta de emenda constitucional que permitiria a expropriação de propriedades rurais onde foram flagrados casos de trabalho escravo. A PEC, que está no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, aguarda votação em segundo turno na Câmara dos Deputados e depois volta para apreciação no Senado.

A tramitação da PEC do trabalho escravo completa dez anos em 2005. A emenda que permitia a reeleição dos políticos foi aprovada em pouco mais de dois anos após sua apresentação na Câmara em fevereiro de 1995. "A questão é vontade política", diz o cientista social e jornalista Leonardo Sakamoto, que participou de discussões sobre o tema no Fórum Social Mundial.

O relator da proposta, o deputado federal Tarcísio Zimmermann (PT-RS), argumenta que a aprovação da proposta é fundamental para combater a existência do problema. "O fazendeiro que pratica o trabalho escravo tem a mesma lógica de qualquer outro criminoso: o crime para ele é um instrumento de ganho. No momento em que a legislação estabelecer que ele deve perder a terra, certamente nós teremos muito menos incidência desse trabalho no Brasil", afirma.

Leia a seguir trechos da entrevista que o deputado concedeu à Agência Brasil no FSM 2005:

Agência Brasil: Quais são as resistências existentes hoje para aprovar a PEC do trabalho escravo?

Tarcísio Zimmermann: Dentro desse contexto da erradicação eu não tenho nenhuma dúvida de que a aprovação da emenda constitucional que prevê a expropriação, o confisco das terras, onde é praticado o trabalho escravo, é fundamental. O criminoso que pratica o trabalho escravo tem a mesma lógica de qualquer outro criminoso, o crime para ele é um instrumento de benefício, de ganho. No momento em que a legislação estabelecer que ele perde a terra, que ele deixa de ter o móvel da própria exploração, certamente nós teremos muito menos incidência desse trabalho no Brasil.

É um tema difícil de ser aprovado na Câmara dos Deputados. Eu diria que existem duas ordens de resistência sobre o tema na Câmara e no Senado. Uma é mais filosófica. Tem setores que são filosoficamente contrários a qualquer restrição ao direito de propriedade. Portanto, eles colocam o direito e a constituição brasileira colocou e equiparou o direito a propriedade ao direito à vida. E, portanto, para eles não agredindo o direito à vida, o direito a propriedade é absoluto.

E também tem aqueles que são efetivamente contrários politicamente a que esse tema pudesse ser alçado a condição de questão do Estado. É um tema difícil, complexo e eu tenho muito com as entidades que atuam nessa área de que ou nós conseguimos produzir uma mobilização social ou nós teremos muitas dificuldades de ver aprovada essa emenda constitucional.

A morte dos fiscais e do motorista foi um instrumento importante para acelerar a tramitação em 2004. Mas se isso passa mais uma vez para o esquecimento, nós corremos o risco de não ter esse tema aprovado.

ABr: Se a aprovação não acontecer neste ano, quais as perspectivas em vista das eleições em 2006?

Tarcísio Zimmermann: O presidente Lula tem um compromisso de erradicar o trabalho escravo até o fim do seu primeiro governo, no final de 2006, e eu não tenho dúvida que sem a aprovação desse dispositivo, o governo não tem instrumentos para erradicar o trabalho escravo. Por isso, que eu acredito muito. Aliando a pressão da sociedade, a pressão internacional e fazendo o debate na sociedade brasileira nós teremos condições de aprová-lo. É isso que nós precisamos fazer, do contrário nós não teremos duas coisas: não teremos aprovado a PEC e não teremos erradicado o trabalho escravo até o final do governo Lula.

ABr: Como o senhor enxerga a ligação entre o agronegócio e o trabalho escravo?

Tarcísio Zimmermann: Esse é um dos temas que nós devemos esclarecer na sociedade brasileira. O Brasil tem mais de 1 milhão de imóveis rurais e o número de propriedades em que é constatado o trabalho escravo nesses últimos anos 10 anos de trabalho feito pelo governo na luta contra o trabalho escravo não chegou a 250.

Então, na verdade é uma fração muito minoritária dos produtores rurais que utiliza o trabalho escravo e que são os criminosos. O que de fato me assusta é ver que setores do agronegócio legítimo estejam de alguma forma acobertando os criminosos do agronegócio. Isso é que é assustador. Nós precisamos, inclusive, ganhar o agronegócio legítimo e fazer com que o agronegócio entenda que para o agro negócio brasileiro não interessa a chaga do trabalho escravo.

Interessa que seja respeitado internacionalmente e que não tenhamos nenhuma dúvida sobre os métodos utilizados na produção agrícola, na exploração dos recursos naturais brasileiros. Isso eu tenho discutido com a bancada ruralista. É um erro político que o agro negócio legítimo acoberte o criminoso que é pequeno nesse caso.