Participantes do FSM comparam idealismo de Dom Quixote à luta dos que sonham com mundo melhor

29/01/2005 - 14h47

Márcia Detoni
Enviada especial

Porto Alegre - Seriam os ativistas dos movimentos sociais reunidos em Porto Alegre Dom Quixotes do século 21, lutando contra moinhos de vento? A questão foi levantada hoje no 5º Fórum Social Mundial durante o painel "Quixote Hoje; Utopia e Política", que comparou o idealismo do famoso personagem criado pelo escritor espanhol Miguel de Cervantes à luta daqueles que sonham com um mundo melhor.

A indagação foi colocada a um grupo de notáveis que tradicionalmente participam do FSM: o escritor português José Saramago (Nobel de Literatura em 1998), o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, o intelectual francês Ignacio Ramonet (do jornal "Le Monde Diplomatique"), o ex-diretor da Unesco Federico Mayor Zaragosa e o ministro Luiz Dulci, da Secretaria-Geral da Presidência da República. A platéia de mais de quatro mil pessoas aplaudiu com entusiasmo a conclusão dos painelistas: os participantes do FSM são Dom Quixotes por acreditarem na possibilidade de mudar o mundo, mas, ao contrário do personagem, quando unidos, têm o poder de promover transformações sociais que hoje parecem impossíveis.

"Os realistas nunca vão transformar a realidade porque a aceitam, porque renunciam à possibilidade de tentar mudá-la", disse Zaragosa. Segundo o ex-diretor da Unesco, é preciso mudar o velho conceito de que a política é a arte do possível. "A política deve ser a arte de tornar possível amanhã aquilo que hoje é impossível", acrescentou. Na opinião de Zaragosa, a resistência pacífica e ativa – não só de protestos – poderá mudar muitas situações hoje intoleráveis.

Ramonet observa que existe uma analogia positiva entre o Quixote de Cervantes e os Quixotes do FSM. "Quixote não é um fanático de um mundo ideal. O que ele não suporta são as injustiças, as desigualdades (...) Ele pensa que outro mundo é possível, mas não tem um programa dogmático de como alcançar esse mundo". Para Ramonet, o FSM segue a mesma linha, respeita a diversidade e não impõe um modelo dogmático de transformação.

Galeano mostrou-se otimista em relação ao poder transformador dos movimentos sociais, enquanto Dulci destacou que não se deve ficar satisfeito com os resultados que a política cotidiana pode alcançar. "É da natureza da utopia alargar o horizonte do possível", afirmou o ministro. "Uma nova utopia está sendo construída por meio do FSM, do orçamento participativo, da luta por uma nova ordem internacional, da luta pela reforma da ONU, da luta para unir os países do sul para subverter a ordem internacional", salientou.

Os painelistas discorreram longamente sobre o significado da palavra utopia, termo que Saramago gostaria de eliminar dos dicionários. Para o escritor português, o conceito de utopia remete para um futuro e um lugar inatingíveis. "O discurso sobre a utopia é sobre o inexistente, não se sabe onde ela está, qual o caminho, quando", comentou. Na opinião dele, é preciso que se lute e se trabalhe para a construção de um mundo melhor no momento atual.