Guterres defende políticas exclusivas para cidadãos que vivem na pobreza

03/12/2004 - 19h00

Marcos Chagas
Repórter da Agência Brasil

Brasília - O presidente da Internacional Socialista e ex-primeiro-ministro de Portugal, Antonio Guterres, defendeu hoje a necessidade de os países desenvolverem políticas exclusivas para os cidadãos que vivem na pobreza. Segundo ele, o foco dessas políticas deve ser sempre garantir a cidadania.

Guterres criticou o argumento usado pelas "forças conservadoras", que tentam disseminar a
idéia de que as políticas de combate à miséria são meramente assistencialistas e que servem apenas "para ajudar pessoas que não querem trabalhar".

Para o ex-primeiro-ministro português, que participou do último dia de debates da Conferência
Internacional Democracia: Participação Cidadã e Federalismo, este é "um combate político" que as forças de esquerda terão que enfrentar. Guterres também rebateu as críticas de que os programas de assistência à pobreza são abertos à fraude. Segundo ele, qualquer programa social está sujeito a atos de corrupção, mas nem por isso deve-se abandoná-los.

Ao contrário, Guterres defendeu o aperfeiçoamento dos mecanismos de combate à corrupção para reduzir ao máximo as fraudes nas políticas sociais. "A começar pelos mais ricos, que não pagam o que deveriam", disse ele. Guterres também criticou "a hipocrisia da comunidade internacional", que assume uma série de compromissos com os países mais pobres, mas não os concretizam, "ou por falta de vontade política, ou falta de capacidade de realização".

O presidente da Internacional Socialista defendeu o cancelamento da dívida dos 40 países mais pobres. "Esses países devem tostões a outros estados e instituições multilaterais", afirmou. Por conta destas dívidas, vários países subdesenvolvidos estão comprometidos com metas do Fundo Monetário Internacional (FMI) que não conseguem cumprir, acrescentou.

Outro ponto fundamental para o combate à miséria é a necessidade de se fabricarem medicamentos genéricos para países pobres, que convivem com graves epidemias, como é o caso da aids no continente africano. Guterres ressaltou que, nesta área, tem-se obtido alguns avanços, inclusive na quebra de patentes para fabricação de medicamentos utilizados no tratamento de portadores do vírus HIV, onde o Brasil teve atuação fundamental.

No entanto, o ex-primeiro-ministro português criticou a resistência das multinacionais farmacêuticas responsáveis pela produção de medicamentos que argumentam que a quebra das patentes derrubaria suas vendas, impedindo novos investimentos em pesquisa. "Que dinheiro os países africanos têm para comprar medicamentos para o tratamento da aids, por exemplo?", questionou.

O último painel da conferência Agenda para a Democracia e a Redução das Desigualdades Sociais contou também com a participação do sociólogo francês Alain Touraine. Na opinião de Touraine, a democracia ainda não existe de fato na América Latina. "Devemos recordar que a palavra democracia neste continente foi uma palavra suja durante algum tempo", afirmou.

Touraine lembrou que, por anos, um democrata era considerado "agente da CIA (órgão de inteligência dos Estados Unidos)" na Argentina e na Venezuela. Alain Touraine ressaltou que os governos ditatoriais da América Latina acabaram por gerar entre os intelectuais do continente o pensamento de que esse "sistema" só poderia ser modificado pelo uso da força, "o que não
deixou nenhum espaço para a democracia". Nesse aspecto, ressaltou o sociólogo francês, países como Brasil, Chile e México não foram muito penalizados.