Lana Cristina
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O físico José Goldenberg, secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, considerou uma provocação o artigo publicado por dois pesquisadores norte-americanos na revista científica Science, sobre o enriquecimento de urânio que o Brasil planeja fazer em escala comercial na usina de Resende, no Rio de Janeiro.
"Eu acho que é uma espécie de provocação essa nota. Primeiro, não é um artigo da Science. A Science é uma revista muito respeitada, e o comentário desses dois autores foi publicado numa seção que é de opiniões, não é um desses artigos que os cientistas submetem à Science e que de modo geral têm grande peso científico. É uma opinião e de modo geral é errônea", observa Goldenberg.
Para o físico, que sempre defendeu inspeções irrestritas na usina de Resende, ou em qualquer outra instalação nuclear, o artigo é "fora de hora e foi feito pra conturbar um pouco as águas". Goldenberg frisou que, tanto em ciência como em atividades do dia-a-dia, há objetos e processos que podem ser usados para fins pacíficos ou para fins que não sejam de característica pacífica.
"Veja uma faca, por exemplo, você pode usá-la para cortar pão ou para matar uma pessoa", exemplifica.
No artigo intitulado "O quebra-cabeça nuclear brasileiro", os autores Liz Palmer e Gary Milhollin, do Projeto Wisconsin de Controle de Armas Nucleares, fazem uma conta matemática a partir do nível de capacidade brasileira de enriquecimento de urânio, que é de até 5%. Ao desenvolver a tecnologia para enriquecer urânio nesses patamares, o país teriam realizado mais da metade do trabalho necessário para enriquecer o mineral em níveis elevados suficientes para fabricar armas nucleares. O urânio tem que ser enriquecido a mais de 90% para a produção de um artefato nuclear.
Segundo cálculos dos autores, o Brasil poderia fabricar até 63 ogivas nucleares por ano até 2014. Eles alegam ainda que o governo brasileiro quer evitar a inspeção internacional na usina e que o verdadeiro motivo é esconder o fato de que as centrífugas usam tecnologia copiada da Alemanha.
Atualmente, o consórcio que responde pelo enriquecimento do urânio usado para produção de energia elétrica no Brasil é o Urenco, formado pela Alemanha, Inglaterra e Holanda.
José Goldenberg desmonta o argumento dos autores americanos de que o país seria capaz de construir bombas. "O argumento deles é um cálculo de aritmética. É como se dissessem assim: olha aqui, esse urânio que vai ser enriquecido na usina de Resende, se for a um nível de 90% e se fizer uma bomba atômica, então o Brasil poderia fazer "x" bombas atômicas. São várias suposições encadeadas, uma depois da outra", enfatiza.
O físico também considera incorreta a insinuação de que a tecnologia brasileira foi copiada da tecnologia européia. Segundo Goldenberg, é justamente o fato do Brasil esconder partes das centrífugas com papel alumínio que responde a esta suposição. "Eu tenho uma informação exatamente oposta. É que como o desenvolvimento foi nacional, eles querem proteger para que não seja utilizado por outras pessoas", observa.
Goldenberg diz ainda que o sistema brasileiro é diferente do que é usado pela Urenco. "Quer dizer, não faz sentido essa idéia, digamos, conspiratória, de que o Brasil andou roubando através daqueles alemães, essa tecnologia", contesta, referindo-se às suspeitas de que o alemão Karl-Heinz Schaab estaria vendendo para o Brasil o desenho das centrífugas construídas pela empresa para a qual já trabalhou. A empresa de Schaab fornecia o equipamento para a Urenco. Schaab teria feito o mesmo para o Iraque anteriormente, segundo os autores.
Goldenberg acredita que todas as especulações sobre a possibilidade do Brasil produzir armas nucleares surgiram justamente daquilo que condenou, a visualização parcial das centrífugas na inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica. "Eu acho que essa idéia de cobrir as centrífugas com painéis de cima a baixo foi uma péssima idéia e tenho dito isso freqüentemente na imprensa. Foi isso que despertou essas especulações todas", sugere.
O Brasil é signatário de acordos de não-proliferação de armas nucleares e sempre garantiu usar a energia nuclear para fins pacíficos. Inspetores da AIEA, agência das Nações Unidas que faz visitas a instalações nucleares no mundo inteiro, estiveram em Resende nesta semana para acertar a inspeção formal. A próxima visita deve ocorrer dentro de 15 dias.
O físico José Goldenberg reiterou ainda que o tipo de inspeção que está em fase de acerto com a AIEA inclui a inspeção visual das interconexões das centrífugas e que isso é suficiente para afastar a possibilidade de se usar as centrífugas para enriquecimento de urânio a mais de 90%. "Isso evita o desvio de urânio para fins militares e os autores da nota parecem não concordar com isso, o que me parece tecnicamente errado", critica o físico. Goldenberg acredita que o assunto está encaminhado para uma solução adequada, com a permissão para que as interligações sejam inspecionadas.