Gabriela Guerreiro e Iolando Lourenço
Repórteres da Agência Brasil
Brasília - Há mais de 12 anos, o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o primeiro projeto de lei de iniciativa popular, aprovado hoje pela Câmara dos Deputados. É o projeto que cria o Sistema Nacional de Habitação, que reuniu mais de um milhão e cem mil assinaturas de eleitores de todos os estados brasileiros para chegar ao Legislativo em dezembro de 1991. Como primeiro signatário do projeto, o presidente Lula terá a oportunidade de ser o último a assinar a matéria, desta vez para sancioná-la e fazê-la vigorar.
O projeto deverá ser votado pelo Senado nos próximos dias para depois ir à sanção presidencial.
Mas as várias entidades e parlamentares que lutam pela moradia popular já comemoram a primeira votação. "É uma vitória de uma iniciativa realizada a várias mãos", comemorou a relatora da proposta, deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG). "Esse projeto vai permitir que se retome uma política de habitação no Brasil. A habitação é um direito inalienável, e ter uma casa para morar vai resgatar a dignidade das pessoas", completou o deputado Zezéu Ribeiro (PT-BA).
Segundo estimativas da Associação Brasileira de Companhias Habitacionais, o déficit habitacional do Brasil é hoje de quase 8 milhões de moradias. Desse total, segundo o presidente da Associação, Manoel Arruda, 84% está entre famílias com renda inferior a três salários mínimos. O projeto destina-se à construção de moradias para essa parcela da população brasileira. "É o primeiro passo de muitos que têm que ser dados. Esse déficit, se houver uma política habitacional autosustentada, só vai se resolver em 20 anos", ressaltou Arruda.
O censo do IBGE de 2000 estimou em 3,9% o crescimento anual do déficit habitacional entre os anos de 1991 e 2000, enquanto as moradias urbanas aumentaram à taxa média de 2,8%. Nas áreas metropolitanas, as favelas cresceram nesse período quatro vezes mais que as áreas legais de habitação das cidades. Segundo o IBGE, as casas em favelas chegam a 2,4 milhões, pelos cadastros das prefeituras, número superior ao total de domicílios da cidade do Rio de Janeiro – que é de 1,802 milhão pelo censo 2000. Além disso, 70% dos domicílios em favelas estão em cidades com mais de 500 mil habitantes.
O projeto que cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, institui o acesso à terra urbanizada e habitação digna à população de menor renda e promove articulação e o acompanhamento para atuação das instituições e órgãos do setor habitacional.
Financiamento
Pelo projeto, fica criado o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social para centralizar e gerenciar os recursos orçamentários para os programas do Sistema de Habitação. Os recursos para a construção das moradias populares virão do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social, dotações orçamentárias e empréstimos externos e internos. "O fundo vai aglutinar recursos da União, estados e municípios", ressaltou Manoel Arruda.
Além da construção de moradias populares, os recursos do fundo também poderão ser destinados à aquisição, melhoria, reforma e arrendamento de unidades habitacionais em áreas urbanas e rurais. Os recursos também poderão ser aplicados na regularização fundiária e urbanística de áreas consideradas de interesse social, bem como na aquisição de materiais para construções.
As entidades que defendem a construção de moradias populares, porém, alertam para a necessidade de criação de uma Política Nacional de Habitação para viabilizar a aplicação dos recursos do fundo. "É fundamental que as mobilizações continuem. Os movimentos sociais não vão cruzar os braços só porque foi aprovado na Câmara. Vamos nos mobilizar para ter, de fato, os recursos unidos à política de habitação", ressaltou o representante da Coordenação Nacional da Central de Movimentos Populares, Luiz Gonzaga da Silva.
Uma alternativa comemorada pelas entidades foi a criação, no projeto, do Conselho Gestor do fundo que vai estabelecer diretrizes e critérios de alocação dos recursos e a política do Plano Nacional de Habitação a ser estabelecida pelo Ministério das Cidades. Além disso, caberá ao Conselho aprovar orçamentos e planos de aplicação e metas anuais e plurianuais dos recursos do fundo.
Segundo o presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores, Vander Geraldo Ronan, os recursos do fundo vão permitir construir, já no ano que vem, 150 mil moradias em todo o país. Atualmente, as casas construídas pelo governo variam entre 32 e 44 m2, com custo de R$ 11 mil. Mas a Confederação defende a construção de moradias populares de 55 a 60m2.
História
A Constituição de 1988, no artigo 61, instituiu os projetos de iniciativa popular. Para apresentá-los, são necessárias assinaturas de pelo menos 1% do eleitorado nacional distribuído em, no mínimo, cinco estados. Com essa prerrogativa, o Fórum Nacional da Reforma Urbana promoveu ampla mobilização em todo o país em busca das assinaturas necessárias para o projeto de moradia popular.
A mobilização reuniu entidades de todos os setores da sociedade, principalmente os que buscam a casa própria e, também, ONG´s, e entidades como o Instituto dos Arquitetos do Brasil e a Federação dos Engenheiros, entre outros. Além do presidente Lula, também assinaram o projeto várias autoridades que estão hoje no governo, como os ministros das Cidades, Olívio Dutra, da Casa Civil, José Dirceu, o presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, e o líder do governo na Câmara, deputado Professor Luizinho.
O secretário-nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, à época deputado federal por Minas Gerais, assinou o projeto como cidadão e, depois, assumiu a paternidade da proposta como deputado federal – já que, mesmo sendo de iniciativa popular, necessitava de uma autoria no Legislativo.
Ainda sob a euforia da nova Constituição, milhares de cidadãos trouxeram em carrinhos de mão pilhas de papéis com todas as mais de 1 milhão de assinaturas do projeto. Tudo foi recebido pelo então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, na entrada do Salão Negro do Congresso Nacional, que encaminhou as assinaturas para o protocolo.
Embora tenha sido o primeiro projeto de iniciativa popular apresentado na Câmara, ele foi o segundo a ser aprovado pelos parlamentares. O primeiro aprovado trata do crime de corrupção eleitoral e compra de votos, mas acabou sendo arquivado pelo Senado Federal no mês passado.