Brasília, 25/10/2003 (Agência Brasil - ABr) - Uma série de problemas na área do desenvolvimento urbano e rural vem sendo enfrentada pelo governo federal, que recebeu de herança um déficit habitacional de mais de 6,6 milhões de moradias, além da falta de saneamento em pelo menos 50% dos domicílios brasileiros. Só para construir as novas moradias necessárias e recuperar outras 12 milhões para dar dignidade e cidadania às pessoas são necessários recursos da ordem de 12 bilhões de reais a cada ano, ao longo de duas décadas.
Os problemas não param por aí. Eles estão no trânsito, no transporte público, na questão da água potável, das redes de esgoto, na ocupação dos espaços urbanos e tantos outros. Em entrevista à Agência Brasil, o ministro das Cidades, Olívio Dutra, fala dos desafios do governo para dar cidadania aos brasileiros e anuncia que, depois das reformas tributária e previdenciária, virão outras reformas e, aí, estão incluídas a agrária e a urbana.
O ministro Olívio Dutra participa intensamente dos debates da I Conferência Nacional das Cidades. A conferência reúne mais de 2500 pessoas, em Brasília, entre delegados e convidados, da grande maioria dos municípios. Dutra anunciou que o Conselho das Cidades a ser eleito neste domingo pela Conferência Nacional será um órgão importante para trabalhar a questão dos planos diretores, da organização espacial humanizada, do balizamento das políticas urbanas. "O conselho é a expressão da sociedade brasileira, dos agentes coletivos, que atuam no espaço urbano".
A meta do governo é promover outras conferências para a discussão de diversos temas, envolvendo a participação do cidadão brasileiro e contando com ele para ajudar na elaboração de políticas públicas para atender à comunidade. Até março acontecem conferências nacionais da Saúde, do Meio Ambiente e da Segurança Alimentar, entre outras. A Conferência das Cidades, que teve origem em mais de três mil municípios, foi realizada depois nos 27 estados, para que só então acontecesse a conferência nacional.
Agência Brasil - Há dois anos, Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Projeto Moradia. Como o governo vem implementando esse programa?
Olívio Dutra – A realização desta Conferência Nacional das Cidades, que foi antecedida das conferências das cidades nos municípios e nos estados e aqui a eleição do Conselho Nacional das Cidades é uma resposta afirmativa aos conteúdos do Projeto Moradia, que é um programa de governo construído quando o companheiro Lula era pré-candidato à Presidência da República. Ainda temos muito há avançar. Mas, achamos que estamos no bom caminho. Este é um bom lastro, um bom alicerce, porque ele tem a participação e o protagonismo do povo brasileiro.
Agência Brasil - Esse protagonismo também envolveu a criação de um ministério para as cidades?
Olívio Dutra - Sem dúvida. O que queremos no nosso governo, presidido pelo companheiro Lula, é que o povo não seja mais objeto da política, mas seja sujeito dela. Seja protagonista da formulação, da proposição e do encaminhamento de políticas públicas para o desenvolvimento urbano. Nós achamos que o estado brasileiro tem que ser apropriado publicamente, democraticamente. A radicalidade democrática significa essa apropriação pública do estado brasileiro, que possibilite o protagonismo à cidadania dos homens e das mulheres, dos 170 milhões de brasileiros, sendo exercida na sua plenitude, no cotidiano de suas vidas, no espaço onde moramos, que é o espaço das cidades.
Agência Brasil - A questão orçamentária atrapalha a implantação das políticas de desenvolvimento urbano?
Olívio Dutra – O governo, todo ele, teve que tomar medidas macroeconômicas importantes e necessárias, como o contingenciamento do orçamento virtual, que recebemos. Isso atingiu não só o Ministério das Cidades, mas todos os ministérios. Ao criar o ministério, o governo entende que essa é uma área estratégica de ação para trabalhar questões de moradia, saneamento, transporte urbano, organização espacial de forma integrada. O maior cabedal do Ministério das Cidades é a articulação, a questão da relação federada entre União, estados e municípios acontecer de fato, qualificadamente e num quadro de protagonismo do povo, da comunidade, da cidadania exercida, da participação popular comunitária. Isso potencializa cada centavo do dinheiro público para podermos, com poucos recursos, produzir muito mais na dignificação da vida das pessoas e na qualificação do espaço urbano.
Agência Brasil - Como está a situação da moradia, do transporte urbano, do trânsito, do saneamento, enfim, da vida do cidadão?
Olívio Dutra - A situação é gravíssima, séria, de exclusão social. O modelo que até aqui formatou as nossas cidades é um modelo de concentração de renda, de poder, de apropriação por poucos da riqueza produzida por todos e que fez das nossas cidades uma síntese das desigualdades e injustiças do País. Hoje, 30% da população moram em nove grandes regiões metropolitanas, o que por si só já é uma violência, porque as pessoas são desgarradas das suas origens e jogadas nos grandes centros. Nós temos que encarar esse problema. Temos o déficit que você mencionou, de moradias que precisam ser construídas, mais o déficit do saneamento básico. Achamos que, em 20 anos, investindo no mínimo R$ 12 bilhões por ano, podemos universalizar o direito à moradia digna, com saneamento básico. Esses recursos devem ser o somatório dos orçamentos da União, dos estados, dos municípios, mais investimentos de fundos e de setores privados. O esforço para universalizar o direito à moradia digna e ao saneamento básico deve ser de todos. Nós não podemos admitir cidadania de primeira, segunda ou terceira classe, precisamos ter cidadania plena.
Agência Brasil - Com um déficit habitacional tão grande. O que o governo vai fazer?
Olívio Dutra – O déficit quantitativo é de 6,6 milhões de novas unidades habitacionais. O qualitativo é de 12 milhões de unidades habitacionais, que devem ser qualificadas, além disso, tem o déficit do saneamento básico - acesso à água potável, ao sistema de esgoto. Queremos ter um sistema habitacional brasileiro, para que possamos atender as demandas habitacionais em todas as áreas e em todos os setores. O maior déficit habitacional está entre as famílias de renda de zero a cinco salários mínimos – 94 % – e 82 % do déficit estão entre famílias de renda de zero a três salários mínimos. Os nossos programas têm que ser voltados para as famílias de renda mais modesta. No dia da abertura da conferência, o presidente Lula assinou Medida Provisória destinando recursos no valor de R$ 430 milhões, sendo que R$ 50 milhões serão liberados neste ano para a construção de oito mil novas unidades habitacionais para famílias com renda bruta não superior a R$ 740.
Agência Brasil - Mas, este governo tem condições de resolver o problema?
Olívio Dutra – Nós não vendemos a ilusão de que a solução do déficit habitacional, que é estrutural e histórico, seja uma mágica a ser feita em curtíssimo prazo ou intempestivamente. Acreditamos que seja possível enfrentarmos esse déficit. É preciso um esforço conjugado dos três níveis de governo, do conjunto da sociedade e da participação dos movimentos sociais. Neste primeiro ano, estamos construindo mais de 320 mil unidades, mas, já no ano que vem, poderemos construir mais unidades, trabalhando com firmeza e controlando os recursos para evitar desperdício.
Agência Brasil - Como o sr. vê a promoção de reformas que o governo está priorizando?
Olívio Dutra – Depois das reformas tributária e previdenciária, outras reformas precisam acontecer, dentre elas a agrária e a urbana. Não são demandas só do MST e do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, são demandas de um país que precisa se desenvolver, qualificar a vida do seu povo com demandas para o desenvolvimento social e econômico e mais justo do nosso país. O Estatuto das Cidades já é uma conquista importante na direção da reforma urbana.
Agência Brasil - Já há um diagnóstico da situação dos imóveis da União?
Olívio Dutra – O governo não tem essa radiografia. Ele não sabe o que tem. As terras da União, por exemplo, onde estão, como poderiam ser utilizadas, para que finalidades, quais as que devem ser para reserva, para uso coletivo. O governo está tratando da questão por meio de uma comissão interministerial para fazer esse levantamento das terras da União. Queremos também que os Estados e os municípios façam o mesmo. Só o Ministério da Previdência tem 5.416 prédios que estão subutilizados, vazios, ou mal-utilizados. É preciso resolver essas questões e colocar esses imóveis à disposição das políticas sociais do governo.
Agência Brasil - A Conferência Nacional das Cidades irá eleger amanhã o Conselho Nacional das Cidades, com cerca de 70 participantes. Qual o papel desse Conselho e a importância dessa conferência, que reúne em Brasília mais de 2.500 pessoas?
Olívio Dutra – Essa conferência por si só já gera balizamentos de orientações importantes para as ações de governo, articulada nos três níveis de governo no enfrentamento dos problemas urbanos, que são interligados. O Conselho Nacional das Cidades irá contribuir enormemente para trabalharmos a questão dos planos diretores, a organização espacial humanizada, o balizamento das políticas urbanas, a relação da ciência, da tecnologia com a sensibilidade, ao respeito à pluralidade e a diversidade, mas o combate às desigualdades e a participação popular comunitária, sendo sempre a base de tudo. O Conselho é a expressão da sociedade brasileira, dos agentes coletivos, sociais, individuais, que atuam no espaço urbano, e ele é também a demonstração do respeito deste governo para com o protagonismo do povo.