Nilmário diz que assassinato de testemunha é desafio aberto dos grupos de extermínio

09/10/2003 - 21h30

Brasília, 9/10/2003 (Agência Brasil - ABr) - O ministro da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, classificou como "um desafio aberto dos grupos de extermínio", o assassinato do trabalhador Gerson Jesus Bispo, ocorrido hoje no município de Santo Antônio de Jesus, distante cerca de 150 quilômetros de Salvador. Bispo denunciou no dia 11 de agosto deste ano a atuação de grupos de extermínio no interior da Bahia durante longo depoimento prestado à procuradora Eliane Meneses de Farias e ao Conselheiro Humberto Pedrosa Espínola, ambos do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). Gerson também foi ouvido no dia 20 de setembro pela relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) para Execuções Sumárias, Asma Jahangir.

No mês passado, outra testemunha da ação de grupo de extermínio também foi assassinada. Flávio Manoel da Silva foi morto na
divisa entre os estados da Paraíba e Pernambuco.

O assassinato de Bispo será investigado pela a Polícia Federal, porque, segundo o ministro Nilmário Miranda, "a partir do momento que uma testemunha presta depoimento ao CDDPH, o caso é federalizado", com base na lei n° 10.446 de 8 de maio de 2002.

A mesma lei foi aplicada no ano de 2000 durante as investigações sobre a atuação de grupos de extermínio no Acre, comandados pelo coronel reformado da Polícia Militar e ex-deputado federal, Hildebrando Pascoal, preso em Rio Branco.

Em agosto, após investigar denúncias sobre a atuação de grupos de
extermínio na Bahia, representantes do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana pediram às autoridades do governo do estado, entre elas o secretário de Segurança Pública, general Edson Sá Rocha, garantias de vida para várias testemunhas, entre elas Gerson Jesus Bispo e Ana Maria dos Santos, presidente do Fórum Municipal de Direitos Humanos.

O CDDPH constatou que num período de três anos 42 pessoas foram mortas por grupos de extermínio. "Todos os desaparecidos são jovens do sexo masculino, com idade entre 16 e 26 anos, pobres, negros e com envolvimento em pequenos furtos ou simplesmente suspeitos de tal envolvimento", destaca o relatório entregue ao secretário Nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda.

O documento cita, inclusive, o caso de um jovem que estava desaparecido e teve o seu crânio jogado no quintal de sua casa. "Não há notícias de providências tomadas pelas autoridades policiais que receberam o tal crânio, que poderiam ter realizado perícias ou buscado pistas para o esclarecimento do caso", diz o relatório.

A procuradora Maria Eliane Meneses da Farias e os conselheiros Humberto Pedrosa Espínola e Percílio de Sousa Lima Neto, que assinam o documento, afirmam que "os depoimentos tomados em Santo Antônio de Jesus, na Bahia, foram chocantes, mas todos eles apresentaram uma grande coerência, inclusive nos detalhes e minúcias".

As denúncias sobre os grupos de extermínio e os pedidos de providências foram entregues, também, ao vice-governador da Bahia, Eraldo Tinoco, secretários estaduais, deputados estaduais e membros do Ministério Público. Na oportunidade, segundo o relatório, o desembargador Benito Figueiredo, representante do Tribunal de Justiça do Estado, "reconheceu as dificuldades da Justiça baiana e assegurou que estavam sendo tomadas
providências no sentido de combater a lentidão dos processos e de moralizar o Poder Judiciário na Bahia", prometendo colaborar com a celeridade das ações criminais relacionadas aos casos relatados.

O vice-governador Eraldo Tinoco reconheceu a ação de grupos de extermínio na Bahia e prometeu o apoio do Executivo baiano no que fosse necessário. "Houve impunidade, apesar dos vários alertas feitos às autoridades baianas", disse o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda.

Segundo ele, a única providência tomada pelas autoridades da Bahia foi no sentido de colocar dois policiais protegendo, durante o dia, a presidente do Fórum de Direitos Humanos de Santo Antônio de Jesus, Ana Maria dos Santos.

Nilmário Miranda sugeriu ainda ao secretário de Segurança, general Edson Sá Rocha, a prisão do Sargento Poponet, acusado de envolvimento com grupos de extermínio no estado e de outras pessoas implicadas nos crimes. "A polícia dispõe de todos os nomes, endereços dos acusados de pertencer ao extermínio e que fazem ameaças às testemunhas. O Poponet foi prestar depoimento à Justiça ontem sobre um dos processos em que é acusado e hoje pela manhã o Gerson Jesus Bispo foi assassinado", comentou Miranda, acrescentando que o sargento da PM é o principal suspeito dos crimes ocorridos na região.

O ministro admitiu que o assassinato de Gerson Jesus Bispo prejudicará ainda mais a imagem do Brasil no exterior. "Claro que sim, mas também deve ser encarado como um desafio. Acho que o governador da Bahia, Paulo Souto, deve providenciar as providências, já que os seus subordinados não tiveram a capacidade de toma-las".

Ao contrário do presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto, que é contra uma eventual tentativa de inspeção da ONU no Judiciário, mesmo que a medida tenha o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o secretário Nilmário Miranda disse que é favor
porque não se trata de uma interferência. "Os relatores da ONU têm vindo ao Brasil freqüentemente. Já recebemos vários relatores. Dia 4 de novembro chegará um novo relator sobre violência sexual contra criança e adolescente. Isso é uma rotina. O Brasil assinou tratados internacionais", frisou.

O Secretário Nacional de Direitos Humanos lembrou que quando o
presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, era ministro da Justiça, "ele mesmo enviou para o Congresso pedidos de ratificação de tratados e convenções que nos vinculam a compromissos internacionais; ele chefiou a delegação brasileira que foi a Viena (Áustria) para
participar de uma Conferência sobre Direitos Humanos e sabe que isso é uma rotina para checar se os compromissos estão sendo cumpridos ou não".

Miranda ressaltou que não há necessidade de se fazer um tom de indignação. E completou: "O ministro Corrêa sabe mais do que ninguém que isso é rotina nos países democráticos. Isso não é coisa de governo, mas sim de Estado. Acho que está havendo desconhecimento, um super dimensionamento da sugestão da relatora da ONU, uma politização de uma questão que vai fazer parte de nossa vida, sempre que houver omissão do Estado", afirmou.