Cecília Jorge
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Há 17 anos, o cartunista Henfil morria em decorrência da Aids contraída em uma transfusão de sangue. Henrique de Souza Filho tinha hemofilia, uma doença hereditária que se caracteriza pela dificuldade de coagulação e obriga o paciente a receber transfusões de sangue constantes. A doença afeta principalmente o homem e, só em casos excepcionais, a mulher.
Dois irmãos de Henfil também contraíram o vírus HIV em transfusões: o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho; e o músico Francisco Mário Figueiredo de Souza, conhecido como Chico Mário. Criador da campanha Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida, que arrecadava alimentos, Betinho morreu de hepatite C, doença que também se contrai em transfusões de sangue.
Segundo a presidente de honra da Federação Brasileira de Hemofilia, Maria Cecília Magalhães Pinto, a estimativa mundial é de que exista um caso para cada grupo de 10 mil pessoas. No Brasil, existem 8 mil hemofílicos, o que para Maria Cecília representa um subregistro, por não corresponder à estimativa.
Apesar dos avanços dos últimos anos, os hemofílicos ainda enfrentam problemas antigos. O principal deles é a falta de medicamento. "O hemofílico sem isso (medicamento) vai morrer", alerta o presidente da Associação dos Hemofílicos do Rio de Janeiro, Luís Felipe Barzocchini. "Eu só estou pedindo para viver", afirmou Barzocchini, de 23 anos, que é hemofílico.
Para Maria Cecília, a evolução dos medicamentos tem sido o principal avanço no tratamento da doença. Segundo ela, quando Henfil contraiu o HIV, não havia um controle tão rígido da qualidade do sangue usado em transfusões, como hoje. "Os grandes avanços são em torno do medicamento: foi a evolução na qualidade e no acesso ao produto", disse.
Os hemofílicos precisam receber os fatores coagulantes que não produzem ou produzem em quantidade insuficiente por causa da doença. Os fatores são 13 proteínas presentes no sangue que juntas são responsáveis pela formação do coágulo, que estanca o sangramento. Os hemofílicos têm deficiência dos fatores VIII ou IX. Atualmente, na preparação desses dois fatores para o tratamento da hemofilia é feita a testagem viral, que evita a transmissão de doenças como hepatite e aids.
Segundo Maria Cecília, outro avanço é o programa nacional que garante acesso ao tratamento na rede pública de saúde. "Hoje, nós temos um programa de atenção em cada capital do país. Algumas grandes cidades em vários estados têm equipes multidisciplinares", revelou.
Maria Cecília esclareceu que muitas vezes o problema está na regularidade da distribuição do medicamento. "Teoricamente não falta remédio, porque existe um programa de compra. A gente tem convivido é com a dificuldade no planejamento da compra e da distribuição", explicou.
Barzocchini destacou também a oferta precária de programas preventivos e auxiliares no tratamento da hemofilia, como a fisioterapia. Por causa da dificuldade de coagulação, os hemofílicos sofrem, com freqüência, hemorragias internas. O tratamento fisioterápico, segundo Barzocchini, é eficiente na reabilitação e na prevenção de hemorragias nas articulações.
Ele lembrou também que é necessário garantir atendimento psicológico aos pacientes. "Conviver com a hemofilia é muito complicado", disse. Para ele, é necessário amparo psicológico tanto para os pacientes quanto para a família.