Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - A promotora Déborah Kelly Affonso, do Ministério Público de São Paulo, deve intimar, nos próximos dias, estilistas e organizadores da São Paulo Fashion Week (SPFW) – o maior evento de moda do país – para discutir a idéia de incluir um número mínimo de modelos negros nos desfiles. A proposta é que seja assinado conjuntamente um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que poderia valer já na próxima edição do evento, marcada para os dias 17 a 23 de junho.A possibilidade de estabelecer cotas em desfiles gerou polêmica no mundo da moda. Para Helder Dias Araújo, diretor da HDA Models, agência especializada em modelos negros, as cotas não deveriam ser uma necessidade, embora ele lembre que a participação de negros em desfiles seja bem pequena, na casa dos 3%.“[Os modelos negros são chamados] quando são desfiles temáticos ou quando o estilista quer ser conhecido ou quer ser marcado porque colocou negros na passarela. Se o Brasil é um país que não dá oportunidades aos negros sem uma pressão da lei, então que essa lei e essa ferramenta venham para conscientizar as pessoas”, afirmou Dias Araújo, em entrevista à Agência Brasil.Para ele, a razão para que tão poucos negros ganhem as passarelas é a “falta de vergonha” da sociedade brasileira e falta de preparo dos profissionais da área de moda.“O Brasil é um país em desenvolvimento. A moda brasileira tem apenas 20 anos de existência, os profissionais que estão nela não esperavam esse boom. A moda brasileira vem crescendo muito nesse período e os profissionais, até então, não estão preparados para entender que o Brasil não é um país de raça pura, mas um país miscigenado. Acredito que, nos anos futuros, isso venha a mudar, por pressão da população brasileira e pela Justiça”, ressaltou. Segundo Dias Araújo, outro motivo para a exclusão dos negros em desfiles é o fato de o mercado de moda brasileiro, incluindo os estilistas nacionais, utilizar como padrão de beleza e de consumo o modelo europeu. “No Brasil há uma diversidade de pigmentação de pele, de textura de cabelo, de medidas. O Brasil tem que se adequar à sua cultura e às suas formas. Essa discriminação, para mim, é mais cultural do que racial. Negro também veste. Negro não anda nu pela rua. Ele consome, tem bom gosto. O que nos resta, como negros? É nos conscientizarmos de que somos bons, que somos talentosos naquilo que fazemos e nos capacitarmos para termos mais oportunidades no mercado de trabalho”, afirmou.Trabalhando há três anos como modelo Rafael Alves, que já participou da SPFW, reconhece a escassez de modelos como ele nas passarelas, mas é contra a determinação de cotas. “A cota está criando uma separação”, afirmou. Para ele, o ideal seria que houvesse mudanças no próprio mercado e na forma de pensamento dos envolvidos no desfile. “Eles acham que negro não veste esse tipo de roupa”, criticou.Alves disse já ter ouvido como justificativa para a exclusão de negros nas passarelas que a luz utilizada para os desfiles não era adequada. “Eles falam que tem que mudar a luz. Para [modelos] brancos não é necessário. Usam somente um tipo de luz. Aí, você já vê o preconceito”, apontou.Favorável às cotas, Sinvaldo José Firmo, advogado e especialista em crimes raciais e participante do Instituto do Negro Padre Batista, disse que a proposta do Ministério Público vai chamar a uma reflexão da sociedade para a questão envolvendo a exclusão dos negros no mercado de trabalho. “Isso é fazer justiça. É reparar um povo que construiu este país e que o vem construindo no dia a dia. Nós, negros, não queremos nada a mais. Só queremos ter direitos iguais aos da população não-negra deste país”, disse Firmo.Para ele, a falta de negros nos desfiles e no mercado de moda do país provoca um grave problema para a sociedade: a questão da identidade dos negros. “Como é que fica a auto-estima dessa população negra que não se vê representada lá?”, questionou. “Os negros estão lá, costurando, maquiando. Mas nós queremos ver também eles nas passarelas, desfilando”, afirmou.O estilista e presidente daAssociação Brasileira de Estilistas (Abest), Amir Slama, em entrevista à TV Brasil, criticou a questão dascotas. “Acredito que se for ter cotas pensando em negros, temos quefazer isso pensando em japoneses, descendentes de indígenas, árabes,judeus... O que seria mais democrático”.Por meio de nota, a direção da São Paulo Fashion Week respondeu que o evento é uma plataforma de convergência e que não “exerce qualquer tipo de interferência na criação das marcas e estilistas, seja em cenário, coleção ou casting – onde a escolha de modelos se inclui”.