Ayres Britto diz que demarcação da Raposa Serra do Sol será decidida por critérios “rigorosamente objetivos”

16/06/2008 - 21h05

Marco Antônio Soalheiro e Lincoln Macário
Repórter da Agência Brasil e Âncora da TV Brasil
Brasília - Além de presidiro Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Carlos Ayres Britto tambémé o relator de boa parte das ações de maior repercussão social pendentes de julgamento no Supremo TribunalFederal (STF). O voto dele é que conduzirá as discussõesna Corte sobre a demarcação da Terra IndígenaRaposa Serra do Sol, em Roraima, o reconhecimento da uniãocivil de homossexuais para fins previdenciários epatrimoniais, a revogação de artigos da Lei de Imprensae o inquérito que apura o envolvimento do deputado PauloPereira da Silva (PDT-SP) em fraudes no Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Além disso, oministro foi o relator, com tese vencedora, em recente julgamento,que autorizou a continuidade das pesquisas com célulastronco-embrionárias no Brasil. Em entrevista exclusivaà Empresa Brasil de Comunicação, Britto falousobre o andamento dos processos e antecipou algumas concepções.Em relação à demarcação da RaposaSerra do Sol, prevista para ir a julgamento no início deagosto, o ministro ressaltou se tratar de um tema que envolve muitosos aspectos institucionais. “A soberania é apenas um deles”,avisou. Britto tambémdefendeu as políticas de cotas adotadas pelo governo federal,ao reiterar posicionamento já expresso por ele no STF. EBC - Ministro, osenhor esteve na Terra Indígena Raposa Serra do Sol e tem aresponsabilidade de dar o primeiro voto na ação, quecontesta a demarcação da área. O que o senhorviu lá que poderá influenciar na decisão? CAB - Fui com o ministroGilmar Mendes e a ministra Cármem Lúcia. O objetivo foi a obtenção de um conhecimento não de segundamão, passado por outrem, mas de primeira mão. Queríamosver, sentir, conversar, colher impressões, sobretudo visuais,daquela imensa região, e isso nós conseguimos. Vaiajudar na formação do juízo de convencimento decada um. EBC - Serviu paraclarificar o entendimento? CAB - Sim. Na questãodos vazios demográficos, por exemplo, estamos agorahabilitados a formar um juízo melhor da distribuição das aldeias, das malocas, das características botânicas,climáticas e hidrográficas daquela região. EBC - O julgamentoserá mesmo no início de agosto?CAB – Minha intenção,se eu receber os autos a tempo da Procuradoria Geral da República,é apresentar meu voto no final de junho. Porém, opresidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, vai precisar de um tempopara formatar uma delicada e complexa sessão de julgamento.Então acredito que, com bons ventos, dá para o julgamentoacontecer em agosto. EBC - A questãoda soberania é de fato o ponto principal em discussão?CAB - Não. Sãomuitos os aspectos institucionais e a soberania é apenas umdeles. Essa questão é muito delicada, antagonizamuitas instituições, muitas pessoas singulares, muitosgrupos. Há índios de um lado, índios de outro;igreja de um lado, igreja de outro; a União de um lado, oestado de Roraima de outro; sociólogos e antropólogosde um lado; no próprio âmago do Governo Federal, oMinistério da Justiça parece perfilar entendimento quenão coincide com o do Exército. Quer dizer, éuma questão extremamente delicada. EBC - Épossível se pensar em uma solução conciliatóriapara o impasse? CAB – O objetivo meue certamente da Corte é encontrar na Constituiçãotodas as coordenadas do processo demarcatório das terrasindígenas. Se conseguirmos isso, nossa tarefa estarásegura, e será uma decisão pautada por critériosrigorosamente objetivos. Poderemos ter uma soluçãojurídica para todo e qualquer processo demarcatório. EBC - A questãodo reconhecimento da união civil homossexual, para fins de benefícios previdenciários e patrimoniais, tambémestá sob a sua relatoria. Qual a situação demomento?CAB -Eu deverei me debruçar mesmo sobre esta questão no mêsde agosto e inciar a confecção do meu voto. Éum assunto também delicado e importantíssimo.EBC - O STF poderá dar nesta matéria uma decisãohistórica no que se refere à consolidaçãodos direitos humanos no Brasil? CAB- A matériase inscreve numa ambiência de direitos humanos e fundamentais,mas temos que ver o alcance e a dimensão destes direitos a partir das relações homoafetivas. EBC - O inquéritoque apura o envolvimento do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP)em fraudes no BNDES corre em segredo de justiça. Mas, pelomaterial que tem em mãos, o senhor diria que o caso seráuma novela ou uma mini-série?CAB– Eu estou supervisionando o inquérito da Polícia Federalsobre o tema, estudando os pedidos de diligência, examinando oque pode ser deferido e o que não pode. Só possodisponibilizar para advogados e partes aquelas diligências jádocumentadas e incorporadas aos autos do inquérito.EBC - Osenhor proferiu decisão liminar,que suspendeu artigos da Lei de Imprensa que puniam com prisãojornalistas condenados por calúnia, injúria oudifamação -, crimes já previstos no CódigoPenal. A Lei de Imprensa está carente de atualidade?CAB- Essa Lei de Imprensa, num exame preliminar, foi tida por mim epela Corte como em rota de colisão com a ConstituiçãoFederal, em muitos de seus dispositivos, porque é uma leiinspirada porum regime de exceção. Ela é de 1967, quandovigorava uma Constituição muito menos democráticado que a atual. A Lei de Imprensa termina, então, por asseguraruma sobrevida a uma Constituição autoritária, quemuito pouco tem a ver com a atual. O grande desafio nosso ésaber se pelo modo com a Constituição de 1988 tratou asatividades de imprensa e comunicação social, um modocorretamente generoso, se isso é compatível com a idéiade uma lei orgânica ou se os temas de imprensa devem serversados por leis espaças, monotemáticas, e nãoreunidas em um mesmo estatuto. EBC – Em processo movido por unidades particulares, o senhor tambémjá votou como relator favoravelmente ao sistema de cotaspara negros e índios. Essa tese deve prevalecer no plenário?CAB– As políticas de inclusão social mediante açõesdistributivas de renda, patrimônio e vagas em universidades se subscrevem no âmbito do que eu tenho chamado deconstitucionalismo fraternal, solidário ou altruístico,a ser operacionalizado por ações afirmativas,compensatórias de desvantagens historicamente e severamente acumuladas por segmentos sociais minoritários como mulheres,negros, índios, portadores de deficiência física. Vamos aguardar, nunca é bom fazer prognóstico, atépara não ser interpretado com uma ingerência naliberdade de convencimento dos demais ministros da Corte. Mas o queme conforta é que a ação está sob vistade um magistrado muito versado em ações afirmativas, queé o ministro Joaquim Barbosa. EBC - O voto do senhor pela autorização das pesquisas comcélulas tronco-embrionárias foi indicativo de umaposição favorável à regulamentaçãodo aborto, tema que também será discutido em breve noSTF? CAB– Aguardemos o julgamento demérito, que deve ser precedido de uma audiência pública.O Ministro Marco Aurélio de Mello se predispõe a fazer [a audiência]. Corriesse risco mas deu tudo certo, e o Supremo experimentou na açãoda Lei de Biossegurança, pela primeira vez, essa viademocrática, que é a audiência pública.Toda a comunidade científica se abriu para oferecer seu visualdas coisas ao Supremo Tribunal Federal.