“Informar o eleitor sobre vida pregressa de candidatos é um dever da Justiça Eleitoral”, afirma Ayres Britto

16/06/2008 - 19h47

Marco Antônio Soalheiro e Lincoln Macário
Repórter da Agência Brasil e Âncora da TV Brasil
Brasília - Pessoalmentefavorável à restrição de elegibilidadepara candidatos com pendências judiciais relacionadas a delitosde maior potencial ofensivo, o presidente do Tribunal SuperiorEleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, não conseguiu ver suatese consolidada como um posicionamento da Corte. Em resposta auma consulta, o TSE considerou, por maioria de votos,  elegíveis os candidatosque não sofreram condenação transitada em julgado. AyresBritto, entretanto, se mostra disposto a estabelecer mecanismos paraque o eleitor tenha maior conhecimento sobre a vida pregressa doscandidatos. Em entrevista exclusiva à Empresa Brasil de Comunicação, o presidente do TSE disse que o voto consciente doeleitor está diretamente condicionado ao amplo domíniodo perfil dos postulantes aos cargos. O ministro evitou fazercríticas diretas ao Congresso Nacional, por não legislara respeito, mas afirmou discordar de recente avaliaçãodo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva,que definiu a atual lei eleitoral como “hipócrita”.Opresidente do TSE ainda prometeu maior rigor na fiscalizaçãodas contas de campanhas, mas ressaltou que o eleitor brasileiro temem suas mãos um poder soberano, por meio do voto. “Oeleitor que vota mal não é só uma vítimado eleito indevidamente, mas é um cúmplice e precisa seconscientizar disso”, disse o ministro. Aentrevista é um dos destaques da edição destanoite do Repórter Brasil, que começa a partir das 21horas na TV Brasil. EBC - Aquestão de candidatos com ficha suja está na boca dopovo. A sociedade tem se pronunciado por suas entidades, o próprioTSE já sinalizou a necessidade de um revisão nalegislação. O Congresso não estáentendendo essa mensagem?CAB - Estamos vivendonuma nova era democrática e há uma consciênciapopular mais nítida e mais clara de que aquela pessoa que se transmuta em agente público, para representar o povopoliticamente há de ter uma vida pregressa pautada na ética,na democracia e na transparência. É uma evoluçãoque deita raízes na própria Constituiçãode 1988, que é arvore frondosa de democracia e ética. EBC – Enquanto nãose tem mecanismos para evitar as candidaturas de pessoas com vidapregressa pouco exemplar, que instrumentos a sociedade jádetém para fazer a melhor escolha possível? CAB - O ideal seria queessa vida pregressa pautada por critérios éticos fossereconhecida pelo TSE como condição de elegibilidade. Jáque não foi possível, na resposta que o TSE deu a umconsulta vinda do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, háoutros mecanismos de informar o eleitor para que ele vote livre econscientemente. É possível viabilizar informaçõesquanto à vida pregressa, quanto à biografia do candidato,quanto ao seu passivo processual menor ou maior, para que o eleitorpossa conscientemente votar.EBC - Como o TSEpretende deixar mais claro para o eleitor as característicasde determinado candidato? CAB - Deveremos viabilizarmeios de acesso ao eleitor a um conhecimento mais detido da vidapregressa do candidato. A lei 9.504 [de 1997, a chamada Lei das Eleições] já exige que o partidopolítico, quando do pedido de registro de candidatura, façajunta de certidões criminais do candidato. Esse dispositivo écomplementado pelo artigo 30 da resolução do TSE 22717,que diz que os formulários de todos os documentos, queacompanham os pedidos de registro são públicos e podemser consultados livremente pelos interessados. A Constituiçãotambém já consagra o direito à informação. É direito de todo indivíduo e de todo eleitor seinformar e se inteirar quanto à personalidade e a vidapregressa do candidato. Se é um direito, isso corresponde a umdever estatal. Temos o dever de atender a esse direito fundamental doeleitor de se informar à plenitude.EBC - O presidenteLula disse recentemente que a lei eleitoral é hipócritae possui um falso moralismo. Até que ponto estaavaliação é correta?CAB – O meu ponto devista é diametralmente oposto. A lei das eleições,pelo seu artigo 41-A dispõe para proibir a captaçãoilícita de sufrágio, e no artigo 73-A, veta condutas. Sãodispositivos rigorosamente necessários. Imagine o que seria opaís sem eles? Eles cumprem um papel saneador dos costumeseleitorais e concretizador do ideal republicano de que todos disputem apreferência do eleitor com paridade de armas, em igualdade decondições. Os dispositivos garantem o ideal deigualdade, a rotatividade e a renovação dos quadrosdirigentes em bases éticas, democráticas etransparentes. Logo, não vejo nada de hipócrita nem defalso moralismo na Lei das Eleições. EBC - Outro temaimportante para as eleições é uso da internet.O TSE decidiu analisar cada caso isoladamente. Há segurançajurídica para os candidatos aproveitarem esse instrumento? CAB - O ideal seriaque disséssemos que não há proibiçãonenhuma em se fazer uso das múltiplas possibilidades da internet como veículo de comunicação privada,inclusive de conteúdo eleitoral. Meu ponto de vista pessoalfoi esse, vencido porém. Outra alternativa seria listar osmódulos válidos e lícitos de acesso a essa viamoderníssima, mas esse ponto de vista também nãopassou. Assim, nós decidiremos as contendas e controvérsiasque surgirem no dia-a-dia valendo-nos da legislaçãoexistente. É o caso concreto que vai pautar nossas decisõese isso traz uma certa instabilidade e insegurança para oscandidatos. Devo reconhecer. EBC - Queprovidências o TSE adotou para melhorar a fiscalizaçãodas contas de campanhas?CAB- O TSE já baixou novas instruções na perspectivado aprimoramento da fiscalização das contas dospartidos, comitês financeiros e ainda dos candidatosindividualmente considerados. Fizemos um reunião e játransmitimos para os partidos políticos as novidades. Do pontode vista técnico, interno, estamos velando para que o controleexterno exercido pela Justiça Eleitoral se faça de modorápido e eficaz. EBC - O brasileirotem o desafio de também fiscalizar melhor o seu candidato? CAB – O eleitor éo dono da bola, do jogo eleitoral, e elege quem ele quiser. Eu venhocomparando de forma didática eleição popular aconcurso público. Os candidatos ao preenchimento dos cargos são os políticos, cujo nome resulte aprovado emconvenção partidária e tenha o registrodeferido pela Justiça Eleitoral. Quem são osexaminadores? São os eleitores, que vão aprovar oureprovar os candidatos nesse concurso. E se o eleitor dá umanota injusta - aprova quem devia ser reprovado ou desaprova quemdevia ser aprovado – vai sofrer as consequências na pele, nacarne e na mesa, no seu transporte coletivo, no seu acesso àcultura e à educação, no policiamento bom nas ruas. Oeleitor que vota mal não é só uma vítimado eleito indevidamente, mas é um cúmplice e precisa seconscientizar disso.EBC - A vivência partidária anterior que o senhor teve ajuda na condução da Justiça Eleitoral ou é um peso a mais para o exercício do cargo?CAB - Ajuda. Eu experimentei a condição de candidato a deputado federal [pelo PT, em Sergipe], participei de convenções partidárias, fiz pedido de registro de candidatura, ocupei espaço da propaganda eleitoral em rádio e televisão, participei de comícios e conheci mais de perto a psicologia do eleitor.