Leitor reclama de “editorialização” de notícias da Agência Brasil

16/11/2007 - 10h09

Paulo Machado
Ouvidor da Radiobrás
Brasília - O leitorLuís Roberto Cândido escreveu para a Ouvidoria reclamando sobreo que elechamou de “editorialização de notícias”.Explicou o conceito dizendo que é a “imposiçãode uma opinião no modode abordar o assunto”,referindo-se “à forma comose tratou o leilão de concessõesde estradas federais”.Ele afirmou: “Estabeleceu-se à ocasiãoum debate entre o governoe alguns colunistas,todos críticos,sobre ser ou não umaprivatização o que ocorreu. O governo defendeu ponto de vista de que não se tratava de vendade patrimônio, logonão aceitava a pechade privatização.Editoriais francamente oposicionistasaté reconheciam a diferença,mas realçando queconceitualmente o governo estariacedendo à visão privatista. Mas aqui na Agência Brasil nãohá sequer o direitoà dúvida: todaa referência ao assunto,por menorque seja, atéem legendasde foto, vaticina quefoi uma privatização”.A Agência Brasil publicou 20 matérias sobreo assunto entre7 de maio e 7 de novembro.Em cincomatérias aparece o usoda palavra “privatização” ou correlatas, no texto do repórter, sendo queem uma delas, Melhoresrodovias do país são as privatizadas, avalia Confederação Nacional doTransporte, publicada em 7 de novembro,o termo aparece apenas no título, o que indica que foi uma escolha do editor.Nas demais 15 matérias foi usado apenas o termo “concessão” ou, quando apareceuo termo “privatização”, ele estava incluso entre aspas, indicando suautilização pela fonte que se pronunciou. Nesse períodotambém foram publicadas nove fotos. A legenda em três delas é: “A ministrada Casa Civil,Dilma Rousseff, em entrevistacoletiva sobreo leilão queprivatizou trechos de estradas federais”.Outras seis fotostêm a legenda: “Emcoletiva, ministrodos transportes, Alfredo Nascimento, fala sobre leilão para privatizarconcessão de estradasfederais”.A Ouvidoria considera que,nesta última legenda,falar em privatizar concessão éuma redundância, poiso ato de concederno sentido empregado,já indica queé para a iniciativaprivada.Constatadoo uso de ambosos termos apontados peloleitor, esta Ouvidoria pediu uma explicação à Agência. Segundo os editores,“a discussão a queo leitor se refere está presentena matéria Concessões geram divergência entre economistas, publicada em 12de outubro. Nela, os três entrevistados emitiram opiniões diferentes sobre osconceitos envolvidos. Não é verdade que a Agênciatenha empregado apenas um dos termos, ‘privatização’. Utilizou também‘concessão’, por considerar que ambos estão corretos.Cabe ressaltar que o usoda palavra ‘privatizar’ se ampara nos principais dicionários do país, que não orestringem a ações definitivas de transferência da propriedade. O Houaissregistra a acepção ‘colocar sob o controle de empresa particular a gestão de(bem público)’, sem tempo delimitado. O Aurélio define como ‘passar (ogoverno) propriedade ou controle de (serviço, ou empresa, pública ou estatal) aentidade(s) do setor privado’. Ou seja, privatizar pode ser tanto venderpatrimônio público como colocá-lo sob controle privado por um período.”Realmente, na matériacitada, o usodos conceitos demonstra que a Agência levou informaçõessobre essedebate para os leitores decidirem, masnão informa qualé a posição do governonem da oposiçãoem relaçãoa eles.Em colunas anteriores jádiscuti o uso de certostermos e o conteúdopolítico-ideológico que carregam. Esse foi o caso,por exemplo,tratado na colunaQuala identidade da Agência Brasil? ,publicada em 26 de outubro. À época observei que essesconteúdos geralmente envolvem julgamentos de valor, prática inconcebível parauma agência de notícias de uma empresa pública de comunicação que temcompromisso com a isenção da informação que veicula e tem por princípio nãoempregar juízos de valor nem opiniões pessoais de repórteres e editores. Se ofizer, estará privatizando um espaço público ao dar o privilégio a alguns demanifestarem suas posições político-ideológicas em suas páginas eletrônicas.Sobre isso, o leitor LuísRoberto, provavelmente interpretando a vontade da sociedade, diz que ela esperaindependência da Agência, não só emrelação ao governo, mas a qualquer tendência política.A discussãosemântica do usodos termos “privatização” ou “concessão”,segundo as definiçõesque estão nosdicionários, poucoesclarece o uso políticoque se faz delas. Portanto,desse ponto vista,tanto faz a Agência utilizarum ououtro termo. Para esclarecer aos leitores há quese considerar o contextopolítico e econômicoque envolve a questãoe que está portrás dessa discussãono que tange aos direitosdo cidadão. As matériastambém nãomostram as diferenças entre o processo que privatizou o patrimôniopúblico transferindo a propriedade de bensda União juntamentecom o direitoà exploração dos serviçospara a iniciativaprivada durantea década de 90 e o processoatual de concessões.Com relaçãoàs estradas, pornão ser possível vender as suas pistas de rolamento, o governofez apenas concessõesde exploração à iniciativaprivada, mantendo-as comopatrimônio da Uniãoe, portanto, passíveisde serem retomadas porforça de contratoou porvencimento do prazo.A coberturamostra queo governo anteriorcobrava outorgas das concessionárias para ceder o direito de exploração dos serviços,como aparece na matériaMinistroanuncia para este ano leilões para concessão de rodovias federais,publicada em 7 de maio de 2007, o queencarecia o valor do pedágio; o atual governo abriu mão desse tipo dearrecadação para conseguir tarifas menores.No entanto, as matérias não mostramas diferenças entre editais anteriores e o atual em termos de exigências dogoverno em relação aos serviços prestados pelas concessionárias. Essa pode seruma informação fundamental para o cidadão saber quais são seus direitos emrelação à qualidade de estradas exploradas pela iniciativa privada. Saber o queele está pagando ao depositar seu dinheiro em um posto de pedágio pode fazertoda a diferença na hora de fiscalizar e cobrar esses serviços.Quanto à editorialização ounão das matérias da Agência, a quese refere o leitor, a Ouvidoria considera que ela não pode ser analisada somente do ponto de vista do empregode um determinadotermo, pormais forteque seja o seusentido político-ideológico. É claro que isso pode ser considerado um sintoma, mas que, no caso, não seconfirmou.A apropriação do termo“privatização” por uma ou outra tendência política(governo ouoposição) aindanão pode serconsiderada marca distintivade uma ideologia. Talvezporque na práticao cidadão aindanão consigaperceber se existe alguma diferençasignificativa entreo governo privatizarou conceder.Faltam informação e mecanismosde participação necessários para que o cidadão exerça o controlee participe ativamente dessa discussão.Talvez, num futuro próximo, o próprio cidadão venha a administrarpessoalmente as concessõesque sãofeitas emseu nome,como as das estradasou as do espectroeletromagnético operadas por emissorasde rádio e TV paratransmitir suaprogramação comose fosse propriedade privatizada.Até a próxima semana.