Policiais brasileiros colaboram com treinamento de haitianos

27/05/2007 - 0h16

Spensy Pimentel
Enviado especial*
Porto Príncipe (Haiti) - Três policiais militaresbrasileiros estão participando como conselheiros técnicosna Missão das Nações Unidas para a Estabilizaçãono Haiti (Minustah). Eles se juntam a um efetivo de cerca de 1,8 milpoliciais da ONU que trabalham em paralelo aos 7 mil militares damissão – sendo 1,2 mil brasileiros. Seu trabalho foi menosvisível na fase inicial da missão, mas tende a adquirirrelevo. A reforma da polícia haitiana é consideradapasso crucial na retomada do estado de direito no país.O capitão Ricardo Freitas, daBrigada Militar do Rio Grande do Sul, é um dos trêsbrasileiros em Porto Príncipe. “É claro que as nossaspolícias também enfrentam desafios, mas nóspodemos contribuir muito num país como o Haiti. Temosproblemas muito parecidos, nas vilas, favelas, aqui”, diz ele.“Outros estrangeiros chegam numa favela aqui, batem o olho e pensamque todo mundo é bandido. Nós temos que mostrar que acoisa funciona mesmo que haja miséria.”Uma das diferenças no trabalhodos policiais é que eles não residem em bases militaresno Haiti. Os profissionais residem no próprio bairro ondedevem atuar, para que interajam com a comunidade. Afora asdificuldades lingüísticas – os haitianos falam ocreole, uma mistura própria de francês com línguasafricanas –, Freitas vê proximidade cultural. “As pessoasrespeitam o Brasil, isso é importante”, diz ele. “Nós, como brasileiros, temosuma recepção muito boa, não só pelofutebol, mas também pela cultura negra, que tambémexiste no Brasil, e isso nos abre muito as portas e as possibilidadede relacionamento”, conta ele, que é negro. “Como nóstemos experiência de trabalhar em ambientes de miséria,problemas de carência, nós temos condiçõesde chegar e analisar o ambiente, saber quem realmente édelinqüente e saber quem é o morador que precisa do nossoserviço para bem viver, ter um mínimo de segurança,para poder trabalhar e se desenvolver.”As dificuldades também existem,relata ele. “É claro que nós temos que ter muitaatenção, porque muitas vezes nós somos vistospor pessoas desavisadas como tropas de ocupação, e issonão é verdade.” Freitas conta que o trabalho junto àpolícia haitiana atinge até mesmo técnicas decontrole de trânsito. Um dos maiores desafios previstos para ospróximos dias, conta ele, será a organizaçãodo policiamento em um show da família Marley. Os resultados jávêm aparecendo, destaca o policial. “Nós, ao longo desses cinco ouseis meses que estamos aqui, já vimos algum desenvolvimento,isso está comprovado nas estatísticas, referentes aprisões usando os métodos qualificados referentes aosdireitos humanos, fazendo prisões dentro do procedimentolegal.” O policial acredita que tambémhá boas perspectivas para a reforma do Judiciário,outro desafio da missão de paz. “Os procedimentos judiciaisestão sendo retomados, com mais força agora. Claro queainda existem problemas, mas o Haiti, ao contrário do quemuitas pessoas acreditam, porssui uma intelectualidade muito forte,então essas pessoas estão lutando pelo seu país,para restabelecer o estado de direito, trabalhando com a partejudicial”, conta ele. O brasileiro conta que também jáviu reflexo do trabalho nesse campo nos últimos meses. “Nasnossas últimas operações [prisões desuspeitos], fomos cobrados pela Justiça, para saber ondeestavam as armas, as provas, todos os elementos para que tudo sejafeito dentro da lei, dentro do que prevê a Constituição.Isso não era feito e agora está se retomando. Todas asatividades da Minustah são feitas dentro do procedimentolegal.” O tenente Sérgio Carrera, da PMdo Distrito Federal, outro dos brasileiros no Haiti, lembra que paísteve, nas últimas décadas, uma polícia que eraassociada a ditaduras, por isso há muita dificuldade emretomar a confiança da população. “Aqui,ainda, a polícia chega numa comunidade, as pessoas correm empânico, porque antigamente, quando a polícia chegava,era para matar.”Já Freitas reconhece que apolícia brasileira também tem problemas, como acorrupção. “Em todos os lugares, há diferentesníveis de corrupção. Nenhum país aquipode dizer que é perfeito, mas hoje no Brasil há maiscontrole da comunidade civil, uma legislação melhor”,defende. “O policial brasileiro atende mais de 1 milhão deocorrências por ano. A porcentagem de reclamaçõesé mínima.”