Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – O perito criminal Osvaldo Negrini Neto foi a quinta testemunha de acusação ouvida hoje (15) durante o júri popular dos réus do Massacre do Carandiru, no Fórum da Barra Funda, em São Paulo. Em seu depoimento, ele disse que a falta de vestígios de projéteis e de estojos vazios mostraram que a cena do massacre foi adulterada ou violada. Além disso, declarou Negrini, o fato de os corpos estarem empilhados demonstrou que houve remoção dos cadáveres, ou seja, os corpos foram retirados do local exato do crime, o que o levou a concluir que a cena do crime foi violada para dificultar o trabalho da perícia. “A história [do massacre] estava escrita nas paredes”, disse, ressaltando que, embora a cena do crime tenha sido violada, a perícia fez o seu trabalho analisando, principalmente, o que constatou nas paredes das celas.
Antes de Negrini começar a ser ouvido, a advogada de defesa dos 26 policiais réus no julgamento, Ieda Ribeiro de Souza, tentou desqualificar o depoimento do perito, argumentando a existência de um processo de improbidade administrativa contra ele. Como Negrini não foi condenado no processo, o juiz José Augusto Nardy Marzagão entendeu que o perito poderia prestar depoimento sem prejuízo ao julgamento.
O perito começou dizendo que esteve na Casa de Detenção do Carandiru no dia em que ocorreu o massacre, 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos. Negrini declarou que foi ao presídio no carro de um delegado, juntamente com um fotógrafo da perícia. Chegando ao local, foi impedido incialmente de entrar. Mas depois de duas horas, por volta das 20h30, convenceu os policiais da importância de seu trabalho e conseguiu entrar no Pavilhão 9. Assim que entrou, o perito declarou que viu uma escada “na extremidade esquerda de quem entra”, onde notou descer um líquido grosso e avermelhado que lhe pareceu ser sangue. “Colhi amostra daquele material, e vi depois que era sangue. E descia como cascata”, ressaltou. “Fiquei com sangue até a canela”.
Como o local estava escuro, Negrini disse que pediu aos policiais que trouxessem um holofote, mas o equipamento não foi suficente para iluminar todo o Pavilhão 9. “Vou fazer vistoria até onde o holofote me deixar”, disse. Foi então que viu “uma imensa quantidade de corpos empilhados” e presos carregando os corpos para fora do pavilhão. Ele declarou ter contado 90 corpos.
Nas primeiras celas que examinou naquela noite, percebeu muitos buracos de balas nas paredes. De acordo com Negrini, no segundo andar do Pavilhão 9, observou várias celas com buracos de balas. “Tinha celas com até 15 vestígios [de bala]”, informou, ressaltando que os buracos foram de tiros que erraram o alvo. “Tiros errados”, ressaltou.
As marcas dos disparos nas celas, segundo ele, mostraram ter sido feitas por metralhadoras, pois formavam, em sua maioria, “uma linha” na parede. “Havia várias marcas em linha”, disse. Explicou que exames clínicos das cavidades nas paredes deram positivo para vestígios de chumbo ou de cobre. “Cobre significa que o projétil era encapuzado”, o que geralmente ocorre com balas de metralhadoras e fuzis. Os tiros, de acordo com o perito, foram feitos da soleira da porta para dentro das celas. Segundo ele, não houve disparos de dentro para fora das celas. “Noventa por cento dos vestígios de bala estavam nas celas”, detalhou.
Com Negrini Neto, os depoimentos da acusação foram encerrados hoje (15). A acusação, que pretendia ouvir 14 testemunhas, absteve-se de ouvir as demais. Amanhã (16), começam a ser ouvidas as testemunhas de defesa. Além do perito, prestaram depoimento hoje Moacir dos Santos, então diretor da Divisão de Segurança e Disciplina da Casa de Detenção do Carandiru e substituto imediato do diretor do presídio, José Ismael Pedrosa, e os detentos Marco Antonio de Moura, Antonio Carlos Dias e Luiz Alexandre de Freitas.
Devido ao grande número de réus envolvidos, o julgamento do Massacre do Carandiru será feito em etapas. A previsão é que a primeira dure entre uma e duas semanas. Na primeira fase, 26 réus serão julgados. Eles são acusados por 15 mortes ocorridas no segundo pavimento do Pavilhão 9.
Edição: Aécio Amado
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