Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
São Paulo – Em depoimento hoje (15) no julgamento de 26 dos 79 acusados pelo Massacre do Carandiru, Moacir dos Santos, que era diretor da Divisão de Segurança e Disciplina da Casa de Detenção do Carandiru e substituto imediato do então diretor do presídio, José Ismael Pedrosa, disse que os policiais que chegaram naquele dia para conter a rebelião no Pavilhão 9, já “chegaram metralhando”.
“A Tropa de Choque entrou invadindo, não respeitando nem o Ubiratan [coronel Ubiratan Guimarães, comandante da Polícia Militar na época em que ocorreu o Massacre do Carandiru]”, lembrou Santos, em depoimento no Fórum da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. “Ele [Ubiratan] não deu ordem para isso, mas depois viu que não tinha mais jeito”. Segundo Santos, o coronel Ubiratan não chegou nem a ficar dois minutos no Carandiru, pois foi atingido por um aparelho de TV que foi arremessado do pavilhão e teve que ser socorrido.
O maior massacre do sistema penitenciário brasileiro aconteceu no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos e 87 ficaram feridos durante a invasão policial para reprimir uma rebelião no Pavilhão 9 do Presídio do Carandiru (como ficou conhecida a Casa de Detenção), na capital paulista. Mais de 20 anos depois, teve início hoje o julgamento do massacre, que foi dividido em etapas devido ao grande número de réus. Na primeira etapa, 26 policiais estão sendo julgados por participação no massacre.
Santos disse que estava trabalhando nesse dia quando recebeu a notícia de que dois detentos do Pavilhão 9 tinham se ferido após uma briga. “Soube que houve tumulto por causa dessa briga e me dirigi para o Pavilhão 9”, contou. Quando chegou lá, viu que, no terceiro andar, alguns presos estavam encapuzados. “Não fizeram nada contra os funcionários, queriam que a gente saísse dali para que eles pudessem fazer o acerto de conta deles”.
Ele contou que os funcionários foram retirados do pavilhão e que a grade de acesso dos presos foi trancada, impedindo que os detentos que estavam no térreo subissem. Uma comissão de autoridades foi montada para discutir a rebelião, tendo a presença de dois juízes, disse Santos. A intenção era tentar negociar o fim da rebelião. No entanto, segundo ele, não houve tempo para a negociação. “A Rota entrou primeiro e já chegou metralhando e não nos deixou socorrer os presos metralhados”.
Depois que a ação policial no local terminou, o diretor disse ter entrado no pavilhão e visto “uma escada onde escorria sangue e água, parecendo uma cascata”. Ele também contou ter visto amontoados de corpos no segundo andar.
Ao juiz José Augusto Nardy Marzagão, o diretor disse não acreditar que os presos estivessem armados nesse dia, apesar de, no final da operação, os policiais terem lhe mostrado algumas armas de fogo que disseram, naquele dia, estar no poder dos presos. “Acho improvável que aquilo fosse dos presos. Se eles tivessem [armas de fogo], eles as teriam usados”. Além disso, disse o diretor, as “armas eram bem velhas, muito antigas” e dificilmente poderiam ser usadas. O diretor também lembrou que não presenciou, na ocasião, qualquer policial que tenha ficado ferido durante a ação.
Antes do depoimento de Santos, também prestou depoimento o preso Luiz Alexandre de Freitas, que cumpre pena há 23 anos e presenciou o massacre. Freitas, que está em uma cadeira de rodas, disse que ocupava uma cela no terceiro andar do Pavilhão 9 na época em que o massacre ocorreu, em outubro de 1992.
No dia em que o massacre ocorreu, Freitas disse ter escapado da morte porque se escondeu embaixo de uma pilha de cadáveres. ”Aconteceu uma rajada [de tiros]. Eu caí. E quando vi que iam me matar, me enrolei em cadáveres. Fiquei ali até os [representantes] dos direitos humanos entrarem [no local], um pessoal de gravata”, narrou ao juiz. Freitas disse que "ficou embaixo dos cadáveres por cerca de 40 minutos”. “Para não morrer, fiquei embaixo dos cadáveres e o sangue deles escorrendo em mim”.
Freitas também disse que, em determinado momento, quando já tinha deixado a pilha de cadáveres, um policial “chinês” olhou para ele e disse que ele não seria morto e que poderia sair "porque você tem a cara do meu filho”. Quando confrontado pelos promotores de Justiça se ele se lembra quem era esse policial, Freitas apontou para um dos policiais que estão no júri, na condição de réu.
A primeira testemunha a depor hoje foi Antônio Carlos Dias, ex-detento sobrevivente do massacre. Ele relatou as circunstâncias em que os policiais militares invadiram o presídio e como abordaram os presos. "Se olhasse na cara do policial, eles atiravam. Eu presenciei isso. Não lembro do rosto de nenhum porque sai da cela olhando para o chão", disse. Depois falou o ex-detento Marco Antônio de Moura. Em seu depoimento, Moura também narrou a briga inicial entre os presos que desencadeou a rebelião.
Edição: Fábio Massalli
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