Diferenças entre normas da língua em Portugal e no Brasil podem acabar depois de um século

21/12/2012 - 12h27


Gilberto Costa
Correspondente da EBC

Lisboa – A adoção de um regime comum para a ortografia do português em todos os países lusófonos põe fim ao afastamento do Brasil e de Portugal quanto às normas sobre a escrita do idioma de Machado de Assis e de Eça de Queiroz. Ao longo do século 20, os dois países modernizaram separadamente a maneira de escrever, fizeram suas regras próprias, mas apenas, e por mais de uma vez, ensaiaram aproximação.

Isso foi obtido em 1990, com a assinatura do acordo que só começa a ser ratificado neste século. Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, e Timor Leste não criaram normas próprias paralelas, assim como fizeram Brasil e Portugal, porque tiveram independência mais recentemente.

Em artigo publicado no Boletim da Academia Galega da Língua Portuguesa, o linguista luso João Malaca Cateleiro afirma que a separação das ortografias brasileira e lusitana começou em 1911, quando Portugal fez, “à revelia” do Brasil, sua primeira reforma ortográfica. “Começa uma divergência na maneira de ortografar a língua, uma vez que nós começamos a seguir um determinado tipo de ortografia e o Brasil tinha uma regra fixa”, confirma o escritor Vasco Graça Moura, também português.

Segundo Moura, até aquela altura, os dois países tinham regras “extremamente confusas”. Na então recente república portuguesa, em cada grupo de quatro cidadãos, três eram analfabetos. “Com a simplificação da ortografia, imaginou-se que iria ser combatido o analfabetismo. A ideia era generosa, mas completamente estúpida! Se fosse assim todos os alemães eram analfabetos”, comenta.

Ele destaca que no Brasil também havia um movimento para reformar a maneira de escrever o português. “Eu conheço uma carta de Mário de Andrade dizendo que vai escrever como se fala, e não vai seguir a grafia [adotada] do lado de cá do Atlântico”.

O diretor executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), o brasileiro Gilvan Müller de Oliveira revela que os dois Estados optaram por ter normas divergentes, que dificultasse o entendimento de um ao outro quase como estratégia mercantilista de composição de normas. “Para que o nosso livro não circulasse aqui e o livro de Portugal não circulasse lá. As nossas histórias econômicas são o contrário da livre circulação da mercadoria”.

João Malaca Cateleiro registra que, ao longo do século 20, foram várias as tentativas de resolver as divergências ortográficas entre Portugal e o Brasil, protagonizadas pela Academia das Ciências de Lisboa e pela Academia Brasileira de Letras. “As datas mais mais relevantes são as de 1931, 1943, 1945, 1971/1973, 1986 e 1990, sendo esta última a do Novo Acordo Ortográfico [em vigência]”

De acordo com Vasco Graça Moura, o movimento de maior aproximação antes da assinatura em 1990 foi em 1945, quando os dois países subscreveram a reforma, mas o Congresso brasileiro negou a ratificação e não houve, portanto, nenhum reflexo no Brasil. “Grande parte das regras daquela reforma corresponde sensivelmente ao que ainda hoje está em vigor em Portugal”, diz fazendo referência ao período de transição do atual acordo, que em Portugal termina em 2015.

Edição: Tereza Barbosa