São Paulo pode ter perdido maior conjunto de edificações do século 19

11/01/2010 - 6h24

Bruno Bocchini
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O historiador e professor do Museu Paulista da Universidade deSão Paulo (USP), Paulo Marins, classificou de “chocante” para apreservação do patrimônio cultural brasileiro a inundação, ocorrida noúltimo dia 2, que destruiu parte do centro histórico da cidade de SãoLuiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba paulista.A cidade era a única do estado a ter preservadoum conjunto arquitetônico de construções do século 19 em bom estado eem grande número. As edificações eram fundamentais para a economia dacidade, que girava em torno do turismo, e para a realização dasmanifestações culturais locais, como os festejos do Divino EspíritoSanto, o carnaval, as festas da Semana Santa---- e o Corpus Christi.  “SãoLuiz do Paraitinga tem essa convergência muito clara entre o patrimôniomaterial e o imaterial, que faz dessa cidade semelhante ao que é Olindapara Pernambuco, ou Pirenópolis para Goiás”, explica o professor. “Nãoé só a perda das edificações que existem ali, mas o fato de que essasedificações mediam uma quantidade de festas muito grande, que ocorremem meio a elas e dentro delas, que foram perdidas”. São Luiz do Paraitinga é lugar privilegiado para o estudo do neoclassicismo no estado de São Paulo. Outrosmunicípios, como Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Itu e Campinas, têmimóveis da fase neoclássica, mas isolados e mesclados no conjunto dacidade a outras edificações dos séculos 20 e 21. Em São Luiz, havia umaconfiguração em grupo de um grande conjunto de imóveis, a maior partedeles erguidos no período de 1840 a 1870.“Eles tinhamcaracterísticas peculiares, como é o caso dos forros de dentro dascasas, que são muito marcantes em São Paulo. Eles têm um desenho comose fosse um sol dentro das salas. A arquitetura, sobretudo de sobrados,também era muito significativa para o estado, e é justamente com esse tipode imóvel que houve uma perda muito grave para a cidade. Em alguns quesobreviveram, houve perda de revestimento e abalo estrutural”.Asedificações de São Luiz eram um registro histórico da primeira área deexpansão da cafeicultura brasileira no século 19, no Vale do Paraíba. Operíodo não é, geralmente, foco de políticas públicas de preservação depatrimônio, como acontece com as cidades com construções do períodocolonial, vinculadas à mineração mineira ou à economia açucareiranordestina.         “Para a população local, foi um desastre. Epara aqueles que se preocupam com a preservação do patrimônio culturalé uma perda assim, não radical, como se noticiou inicialmente, talvezaquelas cifras enormes sejam revistas, mas, de qualquer maneira, ocenário que existe na cidade é de devastação”, diz Marins.Deacordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(Iphan), a reconstrução dos prédios derrubados pela inundação deve ocorrer o mais rápido possível, com base nos registros de tombamentodas construções da cidade.  “Nessas circunstâncias, pode-se oufazer uma construção efetivamente contemporânea que dialogue com opassado da cidade, ou uma reconstrução, uma réplica da construçãooriginal, mas que a réplica seja evidentemente uma réplica, de maneiraque não se confunda os tempos. Aquilo que era do século 19 e do iníciodo século 20 está perdido, aquilo que se terá é uma reconstrução do século 21 e é importante que isso seja bastante explicado”, avalia o professor.