Alex Rodrigues
Enviado especial
Caracas (Venezuela) - O referendo venezuelano marcado para amanhã (2) é parte de uma fraude e de um golpe de Estado, na avaliação do ex-ministro da Defesa do governo Hugo Chávez, general Raúl Baduel. Segundo ele, a proposta de modificar 69 dos 350 artigos da Constituição Federal atinge, de fato, a maior parte da Carta Magna do país."Não podemos nos contentar com análises simplistas. Se fizermos uma avaliação cruzando todas as mudanças, veremos que a proposta causa impactos a nada menos que 250 artigos constitucionais. Estaremos, portanto, diante de uma nova Constituição", disse Baduel, hoje (1º) em Caracas, em entrevista a jornalistas estrangeiros. "Tenho razões para acreditar que o povo venezuelano colocará um muro intransponível a essa pretensão de consumar um golpe de Estado votando não." O general, que recentemente deixou o governo por discordar do projeto, citou a própria Constituição para embasar seus argumentos. "Uma reforma constitucional tem o objetivo de rever parcialmente a constituição e substituir uma ou várias normas, sem, contudo, modificar a sua estrutura e princípios fundamentais. Portanto, como há grandes mudanças, podemos dizer que estamos adotando um procedimento impróprio para produzir uma nova Constituição”, avaliou.“Daí qualificar [o referendo] como uma fraude e um golpe de Estado. Os poderes Executivo e Legislativo estão confiscando, ou pretendendo confiscar, o poder que originalmente pertence ao povo", acrescentou. Baduel disse que a intenção declarada de transformar o país em uma república socialista também é conflitante com a essência da Constituição. "Ao tornar constitucional uma posição ideológica, quem não compartilha [da orientação política] conseqüentemente ficará desassistido". Entre os 69 artigos constitucionais que são alvo da proposta de reforma, 33 foram apresentados pelo Poder Executivo e 36, pela Assembléia Nacional. Entre as mudanças, o projeto amplia os poderes do presidente da República, aumentando o mandato de seis para sete anos e permitindo sua reeleição indefinidamente. "Aspirei que a discussão fosse centrada em assuntos de maior transcendência. Que o país não fosse iludido como foi e que se explicasse o conteúdo e as intenções desta chamada reforma constitucional", criticou o ex-ministro.Ao ressaltar que seu objetivo é fazer com que o plebiscito seja declarado ilegal, Baduel afirmou que os militares não deverão intervir qualquer que seja o resultado da votação. "As Forças Armadas estão plenamente convencidas de que estão à serviço dos interesses da nação, de que são depositários das armas da República e administradores da violência legal do Estado, e que, em nenhum caso, estará a serviço de parcialidade política ou de alguém. As Forças nem são ator político, nem árbitro de disputas políticas". Baduel comparou a intenção de modificar a Constituição com o que ocorreu em abril de 2002, quando um grupo de oficiais afastou Chávez do poder e uma junta integrada por militares e civis anunciou que ele havia renunciado ao cargo, empossando Pedro Carmona. O golpe durou dois dias, até que, graças às manifestações populares, Chávez retomou o poder. "Com base na Constituição, mas interpretando-a de maneira ingênua, distorcida, usurparam o poder legalmente constituído a Chávez. Agora, também estamos deixando de sustentá-la. E com a mesma palavra com que a criamos, pretendemos matá-la". Apesar de se opor ao projeto do governo, Baduel fez um balanço positivo de todo o processo. "Independente dos resultados, abre-se uma nova dinâmica política, favorável a todos os setores do país. Em princípio, porque todo esse processo nos dará grandes lições. Alguns entenderemos a importância da Constituição como um contrato social firmado por todos. E não é tratá-la de forma fetichista, mas sim como exercício cidadão. Outros perceberão que nossa Carta Magna é avançada e traz uma grande gama de garantias e de direitos, ainda que, sem dúvida, possa e deva ser melhorada."