Fabiana Vezzali
Enviada especial
Porto Alegre – O costa-riquenho Vernor Muñoz assumiu em agosto de 2004 o cargo de relator especial da Organização das Nações Unidas para educação. Muñoz participou de atividades do 5º Fórum Social Mundial e defendeu a criação de um Protocolo Facultativo para garantir o direito à educação. Segundo ele, o protocolo será um instrumento jurídico que vai permitir à população denunciar casos em que os governos não garantam o acesso universal ao ensino gratuito que respeite a diversidade cultural dos povos.
Muñoz diz também que pretende envolver a sociedade na investigação de casos que violem os direitos humanos. "Minha idéia é investigar a situação dos direitos humanos no mundo e acompanhar o processo de promoção desses direitos junto com a sociedade civil e com os governos interessados. Devo estudar as condições que atentam contra a vigência desses direitos. E também promover processos de investigação participativa para que as pessoas possam envolver-se diretamente na realização das condições para sua dignidade e liberdade."
Leia a seguir entrevista que o relator especial da ONU concedeu à Radiobrás:
Agência Brasil: O senhor está há cinco meses no cargo. Que avaliação faz sobre a vigência do direito à educação no mundo?
Vernor Muñoz: A situação do direito humano na educação pode ser entendida como uma situação de desigualdade. Há países muito desenvolvidos e países bastante atrasados, especificamente os países da África Subsaariana, que dificilmente vão conseguir alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, senão com a participação econômica e solidária dos países do mundo desenvolvido. Mesmo assim, o compromisso abarca a necessidade de promover ações de inclusão, especialmente para as meninas e as mulheres, com o objetivo de garantir a elas também o direito à educação.
ABr: Os termos do Acordo Geral de Comércio e Serviços (GATTS) da Organização Mundial do Comércio (OMC), que prevêem a inclusão da educação como um serviço, são um obstáculo para a consolidação desse direito?
Muñoz: Existe uma concepção mercantilizada da educação que se reflete no prejuízo da educação como direito humano. A existência de tarifas nas escolas é uma ameaça direta para o acesso à educação. Dos 36 países ameaçados de não cumprir os Objetivos do Milênio, em seis deles ainda existem tarifas que impossibilitam às pessoas que não têm dinheiro gozar de seu direito.
ABr: A criação do Protocolo Facultativo poderá ajudar a proteger esse direito?
Muñoz: O Protocolo Facultativo é um instrumento jurídico no âmbito da aplicação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Este protocolo tenta estabelecer a justiciabilidade do direito à educação, quer dizer, a possibilidade de que este direito possa ser reclamado no âmbito universal por todas as pessoas e organizações que tenham tido seu direito violado.
Este protocolo facultativo é muito importante. As Nações Unidas já desenvolveram vários mecanismos para trabalhar nele. Existe atualmente um grupo de trabalho integrado pelas Nações Unidas. O Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais está trabalhando intensamente a favor do protocolo. E a Comissão de Direitos Humanos espera conhecer o projeto final para dar a ele o trâmite correspondente. O protocolo facultativo também permitirá tornar visível a natureza do direito humano à educação como um direito de justiça e plenamente executável por si mesmo.
ABr: O senhor acha que a mobilização social pode pressionar os governos a aplicarem recursos e garantirem educação para todos?
Muñoz: Minha impressão é que estamos caminhando para um maior regime de garantias para o direito humano à educação. Minha tese é que a educação deve mover-se até os direitos humanos. Devemos resgatar os objetivos da educação como uma necessidade de desenvolver a construção de uma cidadania mundial, mas também local, ligada estreitamente ao cumprimento dos direitos humanos.
Nesse sentido, o desenvolvimento deve ser concebido como o cumprimento integral e inter-relacionado de todos os direitos humanos. Acho que a mobilização deve se dar não somente no âmbito internacional para conseguir que este Protocolo Facultativo seja promulgado, mas também para que todas as pessoas em seus países reclamem nos tribunais de justiça cada vez que seus direitos humanos tenham sido violados. E se não existem os mecanismos judiciais legais para exigir esse direito, essa mobilização deve se dirigir ao Estado para que ele contribua com a instalação dos tribunais constitucionais e administrativos.