Leia a íntegra do discurso do presidente Lula no Rio de Janeiro

25/09/2004 - 18h06

Brasília – Leia íntegra do discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na solenidade de formatura dos alunos do Projeto SESI – Por um Brasil Alfabetizado:

Meus queridos e queridas alunos e alunas desse Projeto, coordenado pelo SESI, em parceria com o Ministério da Educação,

Meu caro Tarso Genro, ministro da Educação,

Meu querido deputado João Mendes,

Minha querida esposa Marisa,

Meu caro Jair Meneguelli,

Dirigentes do SESI aqui, do Rio de Janeiro,

Meu caro Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, parceiro e presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, e sua senhora, Cristina Gouvêa,

Meu caro Fernando Guimarães, diretor-superintendente do SESI do Rio de Janeiro,

Meus queridos alunos e alunas formandos,

Meus queridos jovens Ezequiel, Maria José e Miguel, que receberam o diploma agora,

Eu, na verdade, vou dizer umas poucas palavras. Mas eu queria que vocês soubessem como é que estou me sentindo, porque o que nós estamos vendo, aqui, é uma coisa que norteou a minha vida, desde que eu me conheço por gente, ainda em Pernambuco.

O ser humano, por natureza, quer conquistar novas coisas. Muitas vezes, ele é impedido pela falta de oportunidade ou, muitas vezes, é impedido porque ele não sabe como fazer.

Eduardo Eugênio, Tarso Genro, a imagem que estou tendo de vocês, aqui, era como se nós estivéssemos aqui, e esse palco onde vocês estão fosse um grande ovo. Um grande ovo, cheio de pintinho dentro, que até então não sabiam como era o mundo. E esse curso, na verdade, fez vocês quebrarem a casca do ovo e aparecem para o mundo em que vocês vão viver, daqui para a frente.

A alfabetização é exatamente isso. Porque não existe nenhum país do mundo que consiga dar um salto de qualidade, ser desenvolvido, ser rico, se não tiver investimento na formação da sua gente.

Eu, querida Maria José, sou filho de mãe analfabeta, morreu analfabeta, aos 64 anos de idade. Sou filho de pai analfabeto. E eu morava em Santos, antes de vir para São Paulo, e meu pai atravessava de barco, todo dia, do Guarujá para a cidade de Santos, analfabeto, mas comprava o jornal todo santo dia e ia lendo o jornal, olhando as figuras, para que as pessoas pensassem que ele sabia ler. E morreu analfabeto, também.

Minha mãe, quando nós chegamos de Pernambuco, com oito filhos pequenos, ia para o centro de São Paulo, para cuidar de documentos. Ela sabia pegar o ônibus da vila que eu morava, porque era vermelho, e ia até a Praça João Mendes, em São Paulo. Mas, quando ela ia pegar de volta, tinha muitos outros ônibus vermelhos, e ela não sabia ler a palavra "Vila Carioca". E, muitas vezes, ela ficava procurando alguém para dizer para ela qual era o ônibus que ela tinha que pegar.

Quem é nordestino sabe que a gente tem um ditado que diz: "Eu fiquei areado". Quando a gente fala "eu fiquei areado" é porque a gente não sabe onde está, a gente não consegue se localizar. Mesmo estando perto de onde a gente queria estar, a gente não tem referência, porque não sabe ler o nome da rua, não sabe ler um cartaz, não sabe ler o nome de um restaurante. Então, naquele tempo, a gente dizia: "Minha mãe ficou areada no centro de São Paulo e se perdeu". Ao invés de chegar 3 horas da tarde em casa, chegou às 7, 8 horas da noite, até que alguém ensinasse a ela onde é que estava o ônibus.

O depoimento da Maria José possivelmente pudesse ser o depoimento do Ezequiel, ou pudesse ser o depoimento do Miguel. E isso não aconteceria se houvesse apenas uma lei. Porque nem sempre a lei, neste país, é executada na sua plenitude.
A Constituição diz que todos têm direito à escola. Hoje nós temos 99% das crianças na escola, mas ainda estamos discutindo qual é a qualidade dessa escola na qual estão as nossas crianças, o que é que eles estão aprendendo, efetivamente.

E pela primeira vez, Eduardo, nós vamos fazer, no ano que vem, vamos fazer um teste, uma espécie de uma prova, para a 4ª e para a 8ª série, não como amostragem, mas em todas as escolas públicas do Brasil, para a gente descobrir o que é que está acontecendo que, muitas vezes, as nossas crianças vão para a escola e não aprendem. Tem criança que está na 5ª série e não sabe ler, e tem criança que está na 4ª série e não sabe fazer uma conta de matemática, por mais simples que ela seja.

Possivelmente, a gente descubra que nós precisamos ter um processo de reeducação dos nossos próprios educadores. Quem sabe a gente tenha que ver que tipo de educação nós estamos dando, na sala de aula.

Porque, se uma criança vai para a escola, nós temos a obrigação de que essa criança saia da escola aprendendo aquilo que nós sabemos que todas as crianças têm que aprender. E vamos fazer, pela primeira vez, a partir de março do ano que vem, um exame com a totalidade dos alunos da 4ª série e da 8ª, em todas as escolas do Brasil.

Quero agradecer, aqui, aos educadores, porque eu digo sempre, Eduardo, que muitas vezes uma parceria vale mais do que uma lei. A vontade vale mais do que uma lei. E eu vou dizer para vocês uma coisa: o homem mais poderoso do mundo fez o que fez sem ter o poder, não tinha nenhum poder, não tinha nenhuma caneta para assinar nenhum decreto, para contratar nenhum funcionário, para mandar ninguém embora. Ele apenas teve a capacidade de convencer as pessoas. Ele não tinha poder, mas tinha autoridade, a autoridade moral, a autoridade ética, a autoridade daquele que está disposto a servir ao invés de ser servido, da grandiosidade que tem.

Se a gente não quiser continuar falando de Jesus Cristo, a gente poderia falar de Gandhi, que libertou a Índia sem ter nenhum poder. Ele não tinha caneta, não tinha mandato, não era deputado, não era senador, não era prefeito, não era governador, não era nada. Ele era um homem de 1 metro e 60 de altura. O poder dele era a autoridade moral, era a dignidade, que levou um país como a Índia a se libertar do Império Britânico, depois de muito sofrimento.

O que nós estamos fazendo aqui, hoje, com vocês, é apenas abrindo uma janela. Para que vocês se libertem. Se libertem das mentiras dos governantes; se libertem, muitas vezes, da escuridão do analfabetismo, do desconhecimento. Para que vocês se libertem e percebam que tem um mundo maravilhoso a ser conquistado e que uma mulher, aos 68 anos, está tendo a primeira oportunidade, mas também um menino de 15 anos.

O que será do Ezequiel, se nós não despertarmos nele a vontade de ele continuar estudando. Se nós não oferecermos para ele a oportunidade, o narcotráfico oferecerá, o crime organizado oferecerá, a bandidagem venderá facilidades e não dificuldades.

É por isso que eu ouso dizer para vocês, meu companheiro Meneguelli, meu companheiro Tarso Genro, meu companheiro Eduardo, presidente da FIRJAN: possivelmente, hoje seja o dia mais feliz da minha vida, depois de 19 meses de governo. Não apenas pela beleza do que está acontecendo aqui, mas pelo despertar de esperança que está embutido na consciência dos educadores, que estão vendo seu trabalho, aqui, e isso é trabalho realizado, essa é a política real; pelos alunos.

O Miguel me disse, aqui: "Eu nunca pensei em fazer um discurso, muito menos lendo". Eu abracei a Maria José e ela falou: "Eu estou tão feliz que eu quero falar". Na verdade, ela não queria falar, ela queria provar que ela tinha aprendido a ler. E para ler o quê? Para ler a Bíblia, que é um extraordinário sinal de que a pessoa vai ler um livro que não vai ter nada de mau, nada de ruim para aprender.

Mas eu estou feliz porque eu tenho um sonho, um desejo de que o Brasil... O Brasil merece uma chance. Este país é tão extraordinário que ele precisa acreditar em si mesmo. Nós, durante muitos anos, fomos colonizados. Durante muitos anos, botaram na nossa cabeça que nós éramos Terceiro Mundo, e que nós tínhamos que estar subordinados à orientação da Coroa Portuguesa ou, depois, ao poder econômico dessa ou daquela nação.

Eu aprendi, desde pequeno, com a minha mãe analfabeta: "Meu filho, se você não se respeitar, ninguém lhe respeitará. Quem primeiro tem que lhe respeitar é você mesmo".

E vocês sabem que, quando eu fui disputar as eleições, uma das coisas de que me acusavam era o seguinte: "Ah, pobre do Brasil, o Lula não fala inglês, como é que ele vai conversar lá fora? Como é que ele vai fazer negócios?" E nós estamos provando que é possível fazer muita coisa.

O que nós fizemos na ONU, essa semana, é apenas uma pequena demonstração de que, quando a gente quer, a gente conquista. O que a gente não pode permitir é que o opressor determine as nossas ações, as nossas vontades.

É por isso que nós estamos batendo recorde nas exportações brasileiras. É por isso que nós estamos tendo superávit comercial como jamais tivemos na nossa vida. E é por isso que nós temos condições de puxar, a nível internacional, a campanha da fome.
Porque se a pessoa não tem o que comer, nem aprender a pessoa aprende. Porque quando o estômago está batendo de fome – e só sabe isso quem passou, quem não passou, teoriza. Quem já passou sabe o gosto amargo, de fel, quando a fome bate duro.

Então, garantir que as pessoas comam três vezes por dia, e garantir que as pessoas tenham acesso à escola é o mínimo que um governante tem que garantir. Porque, sem isso, tudo o mais é mentira. Comer e estudar possibilita ter forças para trabalhar, possibilita ter forças para aprender mais, possibilita a gente ser dono do nosso nariz, possibilita a gente andar de cabeça erguida. E possibilita, Eduardo, uma coisa extraordinária, todo mundo estufar o peito, olhar para a frente e dizer: "Eu sou brasileiro e brasileira, e não desisto nunca. Eu vou à luta e vou vencer".

E vocês, se quiserem, sigam o meu exemplo. Se um filho de pai e mãe analfabetos, se um torneiro mecânico de formação chegou à Presidência da República, vocês acreditem que, se vocês quiserem, vocês podem chegar muito mais alto do que os livros dizem que vocês podem chegar. É só ter vontade. É só ter vontade, e não parem de estudar.

Eu sei que, muitas vezes, a preguiça faz a gente não fazer as coisas. Mas vocês tiveram a primeira luz. Por favor, não abandonem. Se tiverem dificuldade, vão procurar alguém. Mesmo você, Maria José, com 68 anos – sabe que uma pessoa de 68 anos que sabe ler tem mais possibilidade de arrumar um namorado do que alguém que não tem 68 anos, que alguém que não sabe ler. Pense nisso.

Ezequiel, sobretudo para você, meu filho, sobretudo para você: não existe espaço na humanidade, hoje, se a gente não souber ler e escrever, trabalhar com computação. Então, você tem que pensar que o seu futuro está ligado à sua vontade política, à sua determinação. Somente você pode se ajudar. O Estado pode dar as condições, mas a vontade é sua.

Quando um atleta, um jovem, quer ser campeão nas Olimpíadas, quando a gente vê a Daiane na televisão, dando os saltos dela, a gente pensa que é fácil. Ela treina 8 horas por dia, de domingo a domingo. Ela não tem tempo de namorar, não tem tempo de passear. Ela colocou na cabeça que ela quer ser campeã olímpica, não foi nessa, vai ser na outra. Mas ela colocou na cabeça que ela vai ser. Você pega na mão dela, parece um abacaxi, de tão áspera que é, de treinar, treinar, treinar.

Você precisa pensar assim, Ezequiel. Você decide o que você quer ser, meu filho. Você aprendeu a escrever o seu primeiro "a". Aprendeu a escrever o abecedário inteiro. Você tem apenas 15 anos. O mundo está à sua disposição. Não desista, meu filho, vá em frente porque, certamente, você poderá servir de exemplo, como um menino que se alfabetizou aos 15 anos de idade, como a ministra Marina.

A Marina era seringueira, analfabeta, aos 16 anos de idade. Se alfabetizou, fez universidade, hoje é ministra. Você pode chegar lá. Depende de você, Ezequiel, como depende de jovens que estão aqui, de meninas e meninos. Por favor, não desistam. Eu vou dizer, até: pelo amor de Deus, não desanimem, neste momento tão importante, na vida de vocês.

Vocês estão diante de um novo horizonte. Nós estamos dispostos a fazer o que for possível. Tenho certeza que o SESI estará disposto a fazer o que for possível. Tenho certeza que o Ministério da Educação estará disposto a fazer o que for possível.

Porque eu estou cansado de ver as pessoas tratarem o Brasil como Terceiro Mundo. Eu estou cansado de dizer que o Brasil é um país emergente. Eu já tenho 59 anos, eu ouço isso há 30. E este país só vai deixar de ser emergente, só vai deixar de ser considerado um país de Terceiro Mundo, em sua situação econômica, na hora em que outros milhões de brasileiros tiverem a vontade que vocês têm, a oportunidade que vocês tiveram, e dizerem: "Nós vamos estudar, porque nós queremos melhor nos cuidar e cuidar da nossa família".

Meus parabéns a todos vocês. Que Deus abençoe a cada aluno, a cada aluna, a cada educador, a todo o pessoal do SESI, à FIRJAN e todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que vocês pudessem viver esse dia de glória, que é o dia em que vocês determinaram na vida de vocês que vocês queriam ser gente melhor e mais importante do que vocês já são.

Agora, eu queria que vocês balançassem essa bandeira, para a gente mostrar o orgulho que a gente tem, de olhar a nossa bandeira. É com esse verde, amarelo, azul e branco que o Brasil vai ocupar o espaço, no mundo, que já deveria ter ocupado há muito tempo.

Muito obrigado, gente!