Niemeyer, convidado por Lula, entra no Alvorada pela segunda vez, desde a inauguração, em 1960

18/03/2003 - 21h54

Brasília, 18/3/2003 (Agência Brasil - ABr) - Antes, eles só tinham se visto duas vezes na vida. Ao final do almoço de duas horas, ontem, no Palácio da Alvorada, o anfitrião, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o arquiteto Oscar Niemeyer, pareciam amigos de meio século.

Com medo de avião, Niemeyer, de 95 anos, levou dois dias para vir do Rio de carro, parando no caminho, mas não se arrependeu. Era a segunda vez que entrava no Alvorada após a inauguração, em 1960. Emocionado, com a voz embargada, caminhou lentamente pelos amplos salões, examinou quadros e móveis e estacionou diante de uma gravura dele em que escreveu premonitoriamente no dia 14 de abril de 1978. "Um dia, o povo ouvirá o que deseja e a liberdade e os direitos humanos serão conquistas irreversíveis".

Vinte e cinco anos depois, o arquiteto que inventou Brasília foi convidado por Lula a deixar uma mensagem no livro de ouro dos visitantes ilustres do Alvorada, há muito tempo sem ser usado: "Gostei de conversar com o presidente Lula, que sabe sentir o momento difícil em que vivemos, que luta contra a miséria e quer a paz".

À mesa, diante de um surubim com brócolis e arroz ao limão, sentaram-se dona Marisa e dois velhos amigos de Niemeyer, o calculista José Carlos Sussekind e o jornalista Roberto D´Avila.

Niemeyer tinha tantas histórias para contar sobre Brasília que demorou a provar a comida. "A Arquitetura não é muito importante. Importante é a vida. A gente tem que arriscar sempre", explicou o arquiteto ao contar como escolheu o lugar para erguer a obra do Alvorada, caminhando pelo meio do mato até achar o ponto certo para a primeira obra da cidade.

Hoje, aos 43 anos, sinais da idade do palácio aparecem por toda parte. As pedras de mármore negro das varandas perderam o viço, sai água marrom das velhas instalações hidráulicas feitas com canos de ferro, o sistema de ar refrigerado já não dá conta, toda parte elétrica precisa de reparos.

Nem reforma, nem restauração: Lula e Niemeyer chegaram à conclusão de que o palácio precisa mesmo é só disso, alguns reparos. Mas Niemeyer gostou muito do que viu e elogiou os cuidados de dona Marisa, que recuperou antigos móveis guardados no porão. "Achei tudo tão bem arrumado..."

O presidente Lula contou que pretende deixar tudo como era quando o Alvorada foi inaugurado. "Temos que por na cabeça que presidente é uma figura passageira, não é mais importante do que o prédio. O Alvorada é um patrimônio da humanidade. O mandato do presidente só dura quatro anos".

Perguntado sobre o grande projeto ainda não concretizado na sua vida, Niemeyer não pensou muito para responder: o Museu Nacional de Brasília, que pretende erguer junto à catedral. O projeto já está pronto e foi entregue ao governador de Brasília, Joaquim Roriz. Lula prometeu se empenhar para tirar o projeto do papel. Sussekind garantiu que em um ano e meio a obra pode ficar pronta. "Nós vamos fazer este museu e você vem para a inauguração", prometeu o presidente.

Além dos reparos, o Alvorada só ganhará uma obra nova - uma churrasqueira que o próprio Niemeyer quer desenhar.

Diante do entusiasmo de Niemeyer ao falar dos seus novos projetos e se empolgar até com uma churrasqueira, Lula disse a ele. "O bom de viver 95 anos, Oscar, não é só pela quantidade de anos, mas pela quantidade de prazeres vividos, poder fazer o que você tem vontade de fazer".

Niemeyer: "A vida é isso, rir e chorar. Às vezes, a gente erra tentando fazer o certo.

Lula: "Se a gente fizesse sempre tudo certinho, também não teria graça...".

Na antevéspera de uma possível nova guerra, Niemeyer lembrou de um amigo dele muito sábio que, um dia antes da tragédia de 11 de setembro de 2001 em Nova York, garantiu-lhe que tudo estava decidido no mundo e que nada de novo poderia acontecer nos próximos anos. "Eu ainda disse a ele que, às vezes, acontece o inesperado, mas ele não confiou muito no que falei".

Lula pegou o gancho para falar dos inesperados da sua vida. "A tua vitória é a própria vitória do inesperado", atalhou Sussekind".

Na hora do sorvete de sobremesa, Niemeyer chegou à conclusão que todo mundo tem um lado bom. "Se a pessoa tiver 10% de qualidades, já está muito bom...".

Lula: "Nós temos que aceitar as pessoas como são e não querer adapta-las a nós".

Sussekind: "Gostei tanto do almoço que até esqueci que o senhor é o presidente da República..."

Em frente ao palácio, junto aos portões onde há sempre gente à espera de Lula, depois de cumprimentar um por um, o presidente e o arquiteto pararam sob uma chuva fina para conversar com os jornalistas. Pareciam muito satisfeitos com o encontro. Juntos, seguiram para o Palácio do Planalto, outra obra de Niemeyer onde ele não entrava há muito tempo. Ricardo Kotscho.