Alex Rodrigues
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O incêndio ocorrido nesta semana em uma fábrica clandestina de fogos de artifício da cidade de Santo Antônio de Jesus (BA) levou organizações não-governamentais (ONGs) e entidades de direitos humanos a considerar a possibilidade de pedir o cancelamento de um acordo amistoso firmado pelo Estado brasileiro na Organização dos Estados Americanos (OEA).
O acordo, de 2006, é resultado da denúncia contra a suposta omissão dos Ministérios do Exército e do Trabalho na fiscalização de fábricas clandestinas de fogos de artifício na região do Recôncavo Baiano. Segundo a advogada Luciana Garcia, da ONG Justiça Global, uma das entidades denunciantes, ao deixarem de fiscalizar e impedir o funcionamento dessas fábricas, os ministérios permitiram a explosão que no dia 11 de dezembro de 1998 matou 64 pessoas, a maioria mulheres e crianças.
No acidente da última terça-feira (26), duas pessoas que trabalhavam no local sofreram queimadurasem mais de 50% do corpo. Uma das vítimas era um adolescente de 14 anos. Segundo a advogada, o incêndio foi determinante para que as entidades estabelecessem um prazo de 30 dias para que o governo cumpra o que prometeu em 2006.
“Se as medidas acordadas viessem sendo tomadas, o incêndio provavelmente não teria acontecido. A situação em que esse acidente aconteceu é uma repetição das características em que ocorreu a explosão em 1998: o armazenamento clandestino, ilegal e sem nenhuma condição de matéria-prima altamente explosiva”.
A região onde fica a cidade de Santo Antônio de Jesus é conhecida pela fabricação de fogos de artifício, tanto em fábricas legalizadas quanto em instalações precárias de fundo de quintal. Em 1998, com a morte de 64 pessoas em um único acidente, os riscos da atividade se tornaram mais evidentes, com ampla repercussão da imprensa.
Em 2001, como nada havia sido feito para solucionar os problemas dos parentes das vítimas do acidente de 1998, as entidades denunciaram o Estado brasileiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), entidade ligada a Organização dos Estados Americanos (OEA). Elas denunciavam o Estado pela violação de direitos humanos e por se omitir da obrigação de garantir justiça e a devida reparação financeira aos familiares.
“A explosão [de 1998] ocorreu em consequências da omissão do Exército, que não fiscalizou mesmo sabendo que a região do Recôncavo Baiano, sobretudo São Antônio de Jesus, é uma grande produtora de fogos. Daí a responsabilização do Estado”, diz Luciana.
A OEA acatou a denúncia e, em audiência realizada em Washington, em outubro de 2006, o governo brasileiro assumiu sua responsabilidade pela explosão e pela morte das 64 vítimas. O governo brasileiro, segundo Lúcia, propôs um acordo com os parentes das vítimas. Além de se comprometer a indenizá-los financeiramente e proporcionar assistência médica e psicológica a todos, também prometeu agir para apressar o julgamento dos donos da fábrica clandestina.
“Para ambas as partes era interessantes chegar a uma solução amistosa, solucionando o problema mais rapidamente com um acordo”, diz a advogada. “Mas nada disso vem sendo feito. Se estivesse sendo cumprido, a explosão de ontem provavelmente não teria acontecido. A situação de ontem foi uma repetição das características da explosão de 1998, com o armazenamento clandestino, ilegal e sem nenhuma condição de segurança de matéria altamente explosiva”. São parte da rede de entidades que denunciaram o Estado brasileiro à OEA, além da Justiça Global, o Movimento 11 de Dezembro, que reúne familiares das vítimas do acidente de 1998, o Fórum de Direitos Humanos de Santo Antônio de Jesus, a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, sindicatos e parlamentares baianos.