Estudiosa das cassações no Congresso pede mais atenção ao combate à corrupção institucional que a acusações individuais

22/08/2006 - 17h18

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Espectadora privilegiada de diversos processos queresultaram na cassação ou na renúncia de parlamentares nos anos 90, aantropóloga Carla Costa Teixeira faz um alerta aos eleitores na semana em que ocorre aabertura de 67 processos por quebra de decoro contra os parlamentares acusados deenvolvimento com a máfia dos "sanguessugas". “Nesse meio, não há corrupção quenão esteja ligada a um projeto político”, diz ela. Teixeira lembra que o fato de os processos contraparlamentares se darem na chave do “decoro” favorece que faltas muitas vezesgraves, do ponto de vista institucional, sejam banalizadas diante das acusaçõesde enriquecimento ilícito. “Nós somos eficazes em punir os indivíduos. Agora,nós não somos eficazes em banir práticas corruptoras.” Como pesquisadora, Teixeiraacompanhou in loco os processos de cassação no Congresso ocorridos entre1994 e 1998. Leia a seguir a primeira parte da entrevista exclusiva à Agência Brasil, concedida na sala daprofessora, no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília. Elatambém é vinculada ao Núcleo de Antropologia da Política, que reúne estudiososde seis universidades federais, e escreveu “A Honra na Política - Decoro Parlamentar e Cassação de Mandato no Congresso Nacional”(1988).Agência Brasil – Diversos ex-parlamentares querenunciaram diante da iminência de sofrer processos de cassação agora sãonovamente candidatos. Há mesmo casos anteriores de parlamentares querenunciaram e voltaram ao Congresso. Por que isso acontece? Carla Costa Teixeira - Eu relacionaria duas questões. Aprimeira é que, nesse meio, não há corrupção que não esteja ligada a um projetopolítico. Não é o enriquecer por enriquecer. Não é à toa que essas pessoasvoltam, não é simplesmente para enriquecer, muitas delas já estão ricas, mas é queesse tipo de corrupção tem uma característica, de se inserir em um horizontepolítico e pessoal maior. A outra questão, que varia muito: há uma maior ou menorreprovação ou banalização das praticas de quebra de decoro a depender do tipode quebra que está em questão. É como se o decoro expressasse uma hierarquia devalores. Há aqueles valores que estão no topo, que não podem ser quebrados deforma nenhuma, porque, caso contrário, a pessoa é expulsa do campo da política.E há outras ações que são consideradas quebra de decoro, mas na verdade violamvalores que estão hierarquicamente abaixo, então essa quebra de decoro éperdoada. Pelo que temos verificado, quais são aquelas questões em que o decoronão pode mesmo ser quebrado? O roubo, o enriquecimento pessoal ilícito. ABr – Então, há quebras e quebras de decoro, umas sãomais graves do que outras. Isso tem relação com a nossa cultura? Teixeira - Isso, na verdade, está relacionado com aprópria estrutura lógica do decoro. O decoro remete ao campo da honra. A honraé assim, ela opera segundo uma hierarquia. Por exemplo, você pensa na honramasculina. No Nordeste, por exemplo, se um homem é chamado de corno ou coisasdo gênero, isso pode ser muito grave, do ponto de vista do código de honra, doque se ele for chamado de ladrão, às vezes. Todo código de honra é assim, ele estabelece quedeterminadas condutas são mais graves que outras. Se você quebrar essa conduta,você está fora, é excluído pelos seus pares. E há outras faltas menores,digamos. São quebras que, muitas vezes, nós consideramos muito graves, como asquestões de ética, ou de procedimento democrático. Mas, para a população emgeral e para boa parte dos políticos, são questões que não se configuram comograves. ABr – A sra. acompanhou algum exemplo disso, em seutrabalho de campo no Congresso? Teixeira Se você lembrar da época da CPI dos Anões doOrçamento: o Ricardo Fiúza foi o único dos “grandes” que foi investigado e foiabsolvido – o processo foi arquivado. Quais eram as acusações contra ele? Naposição de relator do Orçamento, ele teria inserido uma série de emendas após avotação do Orçamento em plenário. Isso é gravíssimo, quebra a alma de um procedimento centralna existência democrática. Só que, primeiro, ficou difícil provar isso materialmente,porque, na época, era possível mexer no Orçamento, no computador, e isso nãoficava registrado – isso se transformou depois. Hoje qualquer pessoa que entre na lei orçamentária ou depoisdo projeto, fica registrado quem acessou, quando, pela última vez. Isso já foiuma modificação no processo, como decorrência da investigação. Havia outras acusações contra ele, de enriquecimentoilícito, mas nada foi provado. O que pesava mesmo era tráfico de influência, eisso simplesmente não se configurou como grave o bastante para cassá-lo. Paramim, se trata do que a gente chama de corrupção institucional.  É algo que quebra a alma dos procedimentosdemocráticos, muito mais grave do que enriquecer ilicitamente. É como nósestamos vendo agora, com os “sanguessugas”. ABr – Neste caso, são suspeitas contra mais de 10% doCongresso, pelo menos. É um exemplo de corrupção institucional, apesar de seremacusações de propina, enriquecimento ilícito etc.? Teixeira - É, claro que é. Eu estou falando do Brasil,mas, nos Estados Unidos, por exemplo, eles têm uma dificuldade enorme de banirpraticas corruptoras institucionais. Quer dizer, não é um traço nosso apenas.Todo mundo fica pensando que só o Brasil é assim, mas não. É muito difícilcombater corrupção institucional, porque todo o nosso procedimento legal,nesses casos, é eminentemente político. Tanto que a maior parte das pessoas quesão cassadas é absolvida na Justiça, não se configuram crimes contra eles. No Brasil, a ênfase é em punir os indivíduos, então, nossosprocessos de cassação são rapidíssimos. Isso vem desde a época do BarretoPinto, nos anos 40 (deputado varguista cassado em 1949 após haver posado decuecas para a revista O Cruzeiro). Ele foi cassado em 16 dias. Foi assimtambém na CPI do Orçamento e, agora, mais recentemente, no “mensalão”, foramtrês meses, muito rápido. Quer dizer, nós somos eficazes em punir os indivíduos.Agora, nós não somos eficazes em banir práticas corruptoras, tanto é que sefizeram algumas modificações na lei orçamentária, mas, agora com os“sanguessugas”, veio a mesma questão, envolve políticos do Legislativo, doExecutivo e empresários. Na CPI do Orçamento, você tinha os políticos, osempreiteiros e, dentro do Executivo, quem liberava a emenda. ABr  - Peloque a sra. dizia, isso, de alguma forma, está, em última instância, relacionadoa um projeto político e, portanto, às eleições? Teixeira - Às eleições e às possibilidades de gerarnovas moedas de troca. E “moedas”, aqui, é uma metáfora, não é dinheiropropriamente dito, para a reprodução de um determinado grupo político. ABr – Então, o combate à corrupção institucionalpassa por mudanças nas regras eleitorais? Teixeira Nas regras eleitorais, e na punição doempresários. É um absurdo que, há mais de uma década, toda vez que estoura umacrise dessas, um escândalo, se foca no Executivo, no Legislativo, e osempresários não têm nenhum ônus. Eles só têm a ganhar nesse processo. O queganharam antes, e, agora, têm delação premiada. Com eles, não acontece nada...