Para ativista, Brasil ainda tem muito a fazer pela representação feminina na política

03/08/2006 - 13h30

Da Agência Brasil
Brasília - Leia a seguir os principais trechos deentrevista da representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria(Cfemea), Natália Mori, ao Sistema Nacional de Rádio, da Radiobrás. Mori falaavalia os números da representação feminina nas eleições deste ano.Socióloga, Mori acompanhou a tramitação da lei eleitoral, a 9.504/97, desde que ela era apenas um projetode lei. A lei hoje estabelece que os partidos devem ter um mínimo de 30% e ummáximo de 70% por sexo de candidatos ao parlamento. Radiobrás -Como a senhora avalia a participação da mulher na política brasileira, de umaforma geral, e na eleição de 2006, em particular? Natália Mori - Os partidos não têmrespeitado, não têm criado esforços para incorporar as mulheres em termos decandidatura. A lei prevê cotas apenas para candidatura, existem as que não sãonem eleitas, imagina quanto trabalho ainda seria. É muito importante falar:quando se fala em igualdade de gênero no Brasil, essa questão da representaçãopolítica é um dos temas que nos faz perceber o quanto ainda temos que avançar. Somos um país composto por cerca de 51% demulheres, mas cuja representação em termos de Congresso Nacional, por exemplo,é de 10% ou 12%. Em termos de prefeituras, ou, enfim, das AssembléiasLegislativas, é muito fraca, muita baixa a representação, deixa muito a desejarainda. Radiobrás - Em 2004, foram mais ou menos 6.500 mulheres eleitas em todo o país, de umtotal de 51 mil cargos oferecidos. O que chama a atenção é que, no Norte e noNordeste, o número de mulheres eleitas foi bem superior ao número de mulhereseleitas no Sul e no Sudeste. Nós sabemos que no Sul e no Sudeste, as mulheressão mais independentes, trabalham fora há mais tempo, têm mais instrução. A quese deve esse fenômeno? Mori - Com relação à participação femininanos estados, de fato teríamos que aprofundar essas análises e perceber por quehá essa diferença, que é muito pouca, a diferença é muito fraca. Mas, porexemplo, um dos fatores pode ser também que nos estados do Nordesteprincipalmente, se é muito ligado à cultura das famílias em termos de eleição.Então, até que ponto essas candidaturas de mulheres são conseqüência dessaindependência, da autonomia das mulheres ? Também há toda uma questão sobre como osistema político brasileiro é visto, que também favorece essas famílias, entãoelas entram também em decorrência dessas famílias. Eu não saberia afirmar porque essas diferenças regionais, mas teria que se investigar também quais osfatores que estão levando essas mulheres nesses estados a se candidataremdiferentemente no Sul. Radiobrás - E o machismo. Também influencia? Mori - A questão do machismo sempre é umproblema, com certeza. No Nordeste, alguns estados foram os primeiros a terem,por exemplo, o direito ao voto para as mulheres. O Rio Grande do Norte foi oprimeiro estado brasileiro onde as mulheres tiveram esse direito. Então, tambémhá uma história que, de certa forma, prevaleceu, ou deu até mais chances àsmulheres do que em outros lugares. Isso também pode ser um fator, mas que asquestões como patriarcado, a herança escravocrata, todos esses valores se conectampara dificultar o acesso geral das mulheres no que se refere a cargos de poder. Na população negra é pior ainda, não se temnem sequer dados do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE não disponibiliza. Nãose tem na ficha de candidatura o quesito raça ou cor, então não é possíveldizer quantas mulheres negras são candidatas, quantas índias, quantas mulheresindígenas são candidatas ou eleitas. Enfim, ainda há uma série de questões quedificultam o acesso igualitário das mulheres e de outros grupos também. Radiobrás -Embora as mulheres ainda representem 13,9% dos candidatos, podemos tambémobservar que a participação vem aumentando ao longo dos anos, e que aumentacerca de 20% nestas eleições. Quais são as barreiras que ainda precisam serenfrentadas para que a representatividade seja igualitária? Mori – Essa é uma questão importante. Pormais questionamentos que tenhamos com relação ao péssimo desempenho políticodas mulheres no Brasil, observamos que tem havido melhoria, o número sempreaumenta. Não se tem andado para trás, não existe ainda análises que nosdemonstram que de uma eleição para outra diminuiu o número de mulherescandidatas ou eleitas. Este ano, por exemplo, temos uma maiorporcentagem de candidaturas ao Senado, apesar de. em seis estados, acho, não hánenhuma mulher candidata. Há uma maior representação, e isso é interessanteobservar, porque são eleições majoritárias, como são os governos. A lei decotas não alcança as eleições majoritárias. Mas, vamos galgando os caminhos. O meudesencanto é mais porque ainda é de fato muito pouco, não se consegue nemchegar ao mínimo dos 30%, e os movimentos feministas estão falando em paridade. Radiobrás - Quais são as barreiras que ainda precisam ser enfrentadas para que asmulheres se lancem candidatas de uma forma representativa? Mori - Nós temos pontuado quatro eixosexplicativos para essas dificuldades de as mulheres irem um pouco mais além.Pouco não, muito mais além, como presidentas desse país. Há a questão cultural,que sempre favoreceu que as mulheres se dedicassem a um projeto de família,privado. Já os homens são projeto coletivo, do mundo público. É precisodesconstruir esses dois mundos, esses valores, e mostrar que, tanto um quanto ooutro podem andar livremente por esses mundos. Uma outra questão é que os próprios partidospolíticos ainda não entenderam, ainda não fizeram muitos esforços para ter apercepção de que uma democracia verdadeira só se faz com a representação detodos os grupos que fazem parte dessa sociedade. No mínimo, se pode questionar:que democracia nós estamos vivenciando hoje? São sempre os mesmos que estão nasinstâncias de poder. Temos uma elite política formada por homensbrancos, que têm renda, são donos de terra, heterossexuais, mais idosos. Essa éa nossa cara, essa é a nossa elite política brasileira, então é preciso, sim,haver uma democratização dessas relações de poder. E os partidos políticos têmuma função nisso, eles precisam criar outras formas além de cotas, precisam garantirtempo de propaganda política e partidária para mulheres, recursos dos fundospartidários. O financiamento público exclusivo decampanhas é uma outra coisa que defendemos. Cada vez mais as campanhas sãomilionárias, requerem um montante muito alto. As mulheres, recém-saídas paraesse mundo público, como vão garantir um financiamento privado? Por isso, aimportância, de um financiamento público exclusivo, para dar acesso igualitárioa todos. Há a manutenção de um sistema extremamentemarcado por práticas de corrupção, por práticas paternalistas epatrimonialistas, a apropriação do bem público, do Estado, para fins privados,isso tudo dificulta esses acessos também. E a última explicação : é muito oneroso aindapara as mulheres se dedicarem a uma campanha política, por conta das múltiplasjornadas de trabalho, por conta da assistência nenhuma do Estado, em termos deassegurar serviços básicos, que liberem tempo das mulheres. Eu falo das mulheres, não como uma obrigaçãodelas, mas porque somos nós que nos responsabilizamos, infelizmente ainda nanossa maioria, por esses trabalhos. Então, era preciso haver creches, escolasem tempo integral, restaurantes e lavanderias comunitárias e, dentro da própriafamília, uma divisão das responsabilidades entre homens e mulheres. Aconjugação desses fatores todos ajuda a explicar essa dificuldade das mulheresem relação aos homens e acessarem esses cargos e terem uma maior representaçãopolítica.