Brasília, 28/6/2006 (Agência Brasil - ABr) - A ossada de Luiz José da Cunha foi identificada hoje (28) e comprova a morte, há 15 anos, por tortura e não por tiros, como havia informado o governo na época. Luiz morreu aos 29 anos, quando comandava a Ação Libertadora Nacional (ALN) durante o período da ditadura militar.
O resultado do exame de DNA foi divulgado pelo presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Marco Antonio Barbosa, e atendeu a pedido da viúva, Amparo Araújo. Em 1997, com a criação da Comissão, o processo legal para exame de DNA foi iniciado e ela recebeu R$ 111 mil de indenização, depois de atestado que Luiz havia sido torturado antes de morrer.
"Luiz estudou na União Soviética e fez treinamento em Cuba, era bastante preparado", disse a viúva, que no dia 14 de julho de 1973 leu nos jornais que seu marido morrera na véspera, durante troca de tiros com policiais, conforme o laudo. Em 1991, com a abertura dos arquivos do DOI-Codi em São Paulo, as imagens do corpo do militante revelaram 11 lesões no rosto, nenhuma produzida por arma de fogo, e apenas um tiro na perna. De acordo com os documentos, Luiz havia morrido por hemorragia interna na região do abdome e tinha fratura no fêmur.
As fotos mostravam também que Luiz chegara ao Instituto Médico Legal vestindo apenas cueca e meias pretas. "Se morreu em um tiroteio na rua, como pôde chegar lá de cuecas?", questionou a viúva. Como Luiz não era considerado um desaparecido político, o nome dele constava como indigente nos registros do cemitério Dom Bosco, em São Paulo.
Seis anos após a morte, Amparo viajou para Recife (PE), onde Luiz nasceu, e descobriu o endereço da mãe dele nos registros da escola secundária que ele havia cursado. "A mãe dele ainda morava na mesma casa e foi eu quem, seis anos depois, dei a ela a notícia da morte de Luiz", contou Amparo. Os restos mortais de Crioulo, codinome dele, serão enterrados ao lado do corpo da mãe, em Recife.
Das 1.049 ossadas encontradas na Vala de Perus do cemitério em São Paulo, em 1990, apenas dois corpos de desaparecidos foram identificados: os de Dênis Antônio Casemiro e Luiz Eurico Lisboa. Exame de DNA também identificou os restos mortais de Flávio Carvalho Molina, torturado e morto no Doi-Codi. O corpo de Luiz Cunha foi encontrado sem o crânio e seu DNA comparado com o da sua mãe e do único irmão. O resultado afirmou que a ossada tem 99,9% de possibilidades de ser mesmo a do militante.
A lista de mortos e desaparecidos durante o regime militar, reconhecida pelo governo brasileiro, registra 423 pessoas. Dessas, 133 ainda estão desaparecidas. O atestado de óbito da maioria das pessoas reconhecidas como mortas traz como causa "suicídios, atropelamentos, trocas de tiro ou tentativa de fuga", explica Susana Lisboa, integrante da Comissão, que trabalha para a criação de um banco de dados na expectativa de conseguir identificar as ossadas. Até agora, já há o registro do DNA de 600 familiares de desaparecidos políticos.
A Comissão foi criada por meio da Lei 9.140/97, que passou a reconhecer como crimes políticos os assassinatos cometidos também fora das dependências policiais. Em novembro de 2002, a Lei 10.559 garantiu a reparação por prejuízos físicos e morais a todos os perseguidos durante a ditadura. Dos mais de 500 pedidos de indenização por morte ou desaparecimento feitos, a Secretaria dos Direitos Humanos já acolheu mais de 300.