ELEIÇÕES 2006 – A depender da interpretação, nova lei ameaça até ''santinhos'', ironiza jurista

28/06/2006 - 18h08

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil

Brasília – As indefinições das regras vigentes nas eleições do próximo mês de outubro são tantas que até a distribuição de "santinhos" (em cidades do interior, ainda é comum o uso desses papéis com imagens de santos, não de políticos) por parte dos candidatos pode estar ameaçada. "Se for um santo milagreiro, e alguma graça for pedida e realizada, conferindo ‘vantagem’ ao eleitor, o candidato poderia ser cassado", brinca o jurista Fernando Neves. A referência é a artigo da nova lei eleitoral que proíbe ao candidato doar qualquer objeto que conceda "vantagem ao eleitor".

Neves é ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral e atual presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República. Ele esteve hoje no Senado para dar palestra sobre as novas regras, aplicáveis desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em maio a lei 11.300, também chamada de minirreforma eleitoral. As respostas para os diversos questionamentos da platéia, Neves adiantou que não teria, porque várias interpretações do TSE sobre a nova lei só devem ser divulgados na semana que vem.

A definição do que sejam "eventos assemelhados" a showmícios é considerada por Neves uma das mais urgentes. Questionado sobre a possibilidade de se realizar a apresentação de um vídeo em telão antes da fala de um político, ele respondeu: "Como eleitor, cidadão, eu acho isso bom. Como advogado, eu recomendo ao meu cliente que não faça. Como palestrante, eu digo que é preciso aguardar a decisão do TSE".

Em alguns casos, Neves considera que o texto legal poderia ter sido mais bem redigido. "Do jeito que a lei está, veta o showmício de R$ 20 milhões, como também veta a participação de um repentista que cobra R$ 300 para declamar alguns versos numa cidade no interior do Nordeste", diz ele. A conseqüência, completa, é que o objetivo declarado da lei, reduzir o custo médio das campanhas, fica em segundo plano: "O pequeno artista está sendo prejudicado e isso não tem nenhum reflexo na redução do custo das campanhas.
O Congresso poderia ter regulado melhor isso para impedir os abusos, mas não para impedir o uso".

A questão da produção e do uso de camisetas de candidatos ou partidos é outro exemplo de indefinição, segundo Neves. A depender da interpretação da lei, as camisetas podem ser proibidas até mesmo aos funcionários de um comitê de campanha. "Você não pode querer que o comitê eleitoral não esteja caracterizado a favor daquele candidato que ali tem a sua sede", pondera ele.

Outra regra estabelecida pela nova lei diz respeito à proibição do uso de outdoors. Acontece que, agora, , segundo explica Neves, cabe aos ministros do TSE definir o que é um outdoor. Em eleições anteriores, já se considerou a definição pela área da propaganda (superior a 20m², segundo regra de 2000). A definição em vigor é a de que qualquer espaço de propaganda comercializado é outdoor. Mas, falta, por exemplo, saber o que se faz no caso de espaços particulares, cedidos por simpatizantes (muros, placas ou faixas).

O jurista espera que o TSE tome as decisões sobre as novas regras baseando-se nos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade – ou seja, garantindo que não serão previstas punições graves para delitos absurdos, como na brincadeira do santinho.

Apesar disso, de um modo geral, segundo o jurista, o maior prejudicado com o que considera falhas da nova lei é o eleitor: "O eleitor vai ter uma dificuldade em conhecer a proposta de candidatos que não tenham um passado político conhecido".

Há, porém, pontos a serem elogiados na lei 11.300, diz Neves, como as inovações que dão maior rigor ao controle da arrecadação e dos gastos de campanha – a exigência de uma conta única para os candidatos, por exemplo: "Tudo que permitir uma maior transparência nas campanhas, um maior controle dos recursos que circulam pelas campanhas, traz um aperfeiçoamento do processo eleitoral".