Mylena Fiori
Repórter da Agência Brasil
Brasília – A mudança na legislação processual é considerada fundamental, pelos movimentos sociais para evitar despejos forçados em áreas ocupadas por populações sem moradia. A idéia é permitir que o poder público atue como mediador em ações de reintegração de posse, facilitando a conciliação entre proprietário e moradores. "O que ocorre, na maioria dos casos, é a mera decisão de remoção destas famílias, sem nenhum tipo de negociação", denuncia o coordenador da área de Direito à Cidade do Instituto Pólis e membro da coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana, Nelson Saule Júnior.
Essa intervenção vem sendo feita de maneira informal pelos movimentos sociais. Um verdadeiro trabalho de sensibilização do judiciário, caso a caso. "Atuamos junto ao Ministério Público, ao poder público e aos juizes. Levamos proposta de compra do local ocupado, de transferência das famílias para outra área ou de aluguel social, por exemplo, mas tem juiz que é linha dura", relata a coordenadora da Central de Movimentos Populares, Maria das Graças Xavier. Ela conta que o trabalho de sensibilização envolve um levantamento prévio, detalhado, da população ocupante, para se verificar o número de mulheres chefes de família, quantidade de crianças, etc... "É muito difícil", desabafa.
Muitas vezes, segundo Maria das Graças, também há resistência do poder público local – estado ou município – que poderia auxiliar na mediação. Nestes casos, os representantes da sociedade civil acionam a União, representada pelo Ministério das Cidades. "Basicamente o que fazemos é intermediação", resume a secretária nacional de Programas Urbanos do ministério, Raquel Rolnik. Ela diz que o ministério das cidades tem procurado intervir no sentido de oferecer uma plataforma de negociação, conversando com os poderes públicos locais e com juízes. "Muitas vezes a relação da comunidade com o poder público ou com o proprietário está muito acirrada. Entramos como uma espécie de elemento neutro que consegue estabelecer um diálogo e, no mínimo, adiar o despejo até conseguir uma solução definitiva para as famílias", relata a secretária.
Na opinião de Nélson Saule Jùnior, mudanças na legislação processual facilitariam esse processo de negociação. Ele sugere, inclusive, a criação de juizados especiais em algumas cidades para tratar conflitos urbanos de grande complexidade. "O poder público pode usar vários instrumentos de negociação com o proprietário, como transferir o potencial de construção do imóvel ocupado para uma outra área da cidade, permitindo uma intervenção do poder público para fins habitacionais", exemplifica. Outra possibilidade seria a utilização dos imóveis ocupados para pagamento de dívidas dos proprietários com o poder. "Há várias medidas que a legislação permite e que não são utilizadas porque a forma como o judiciário estabelece o processo não abre a possibilidade de interlocução e negociação", reitera. "A forma como se estabelecem as decisões gera mais conflitos e mais problemas para a sociedade, pois essa população passa a morar na rua, embaixo de viadutos por exemplo".
Para Raquel Rolnik, o problema é ainda mais grave. Ela acredita que há desconhecimento, dentro do judiciário, dos direitos à moradia. "Muitas vezes o juiz dá uma ordem de despejo desconhecendo que aquela população tinha o direito de ficar", afirma. Por isso, o Ministério das Cidades decidiu encampar um trabalho de disseminação sobre direito á moradia e regularização fundiária, conta a secretária nacional de Programas Urbanos. Em parceria com várias entidades, o ministério promoverá, de abril a julho, um curso à distância para 900 técnicos governamentais, institucionais e operadores do direito, sobre legislação fundiária e direito à moradia. "É importante pois vai criando a cultura do não despejo", justifica. "Até hoje no Brasil predominou a cultura do absolutismo da propriedade privada. A cidade e a propriedade têm que cumprir sua função social", diz.
Colaborou Cecília Jorge