Mulheres do campo conquistam políticas públicas, mas ainda enfrentam resistência cultural

04/03/2006 - 13h33

Spensy Pimentel
Enviado especial

Porto Alegre – A mulher ouve no rádio ou na TV que o governo está abrindo uma linha especial de crédito para pequenas agricultoras e resolve ir ao Banco do Brasil para se informar melhor. Mas, ao chegar ao banco para pedir informações ao gerente, descobre que as coisas não são bem assim, pelo menos no plano prático. "Não, esse negócio de crédito para mulher não existe não", ou "Traz o marido, ele precisa assinar, a senhora só tem direito se o marido vier"são frases ainda ouvidas pelo interior do Brasil, segundo a ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire.

"É preciso capacitar os agentes públicos", disse a ministra. "Muitas vezes o trabalho das mulheres no campo é visto mais como uma extensao do trabalho doméstico, não como um trabalho produtivo", explicou ela, que participou hoje (4), pela manhã, da abertura do seminário internacional "Políticas para as Mulheres na Reforma Agrária e no Desenvolvimento Rural".

O evento vai servir para ativistas de pelo menos 12 países organizarem suas reivindicações e sugestões à 2ª Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, evento organizado pelas Nações Unidas em parceria com o governo brasileiro, a partir de segunda (6), na capital gaúcha.

Em comparação com outros países da América Latina e da Àfrica, as políticas públicas brasileiras para a igualdade de gênero no campo já são consideradas avançadas. Ana Falu, diretora do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), destacou hoje, por exemplo, o reconhecimento da aposentadoria rural das mulheres agricultoras, fruto da Constituição de 1988.

Roberto Kiel, diretor executivo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), listou avanços como na documentação das mulheres do campo. "Conseguimos trazer à vida 150 mil fantasmas que nem direito à aposentadoria tinham", afirmou ele.

Outra conquista, segundo Kiel, foi no campo da igualdade de direitos entre homem e mulher quanto à titularidade do lote da reforma agrária, o que influi, por exemplo, no direito à sucessão. "Isso pode representar o direito de a mulher ter um futuro independente do marido", disse. Até o governo anterior, segundo o Incra, o título do lote era sempre feito em nome do marido.

Apesar de destacarem essas ações, Kiel reconheceram que ainda falta avançar no "cerne" da questão. "Precisamos atacar os fatos geradores dessa ausência de direitos", afirmou. "Não queremos que os avanços nos façam perder a energia e a consciência de que ainda há muito por fazer", disse o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto.