Alessandra Bastos
Enviada especial
La Paz (Bolívia) - Com os pés na terra, o novo presidente da República da Bolívia, Evo Morales, deu início ontem (21) às cerimônias de posse. Nas ruínas de Tiwanaku, a duas horas de La Paz, Morales tirou os sapatos para receber da terra a energia dos deuses, um ritual indígena que levou 40 mil pessoas ao local, de acordo com a polícia militar.
Pétalas brancas foram jogadas para que Morales caminhasse descalço até a pirâmide Akapana. Bandeiras da Bolívia e dos povos indígenas foram levantadas enquanto Morales subia a pirâmide para receber o "poder espiritual andino" e ser honrado como o Mais Alto Líder Indígena. Ele recebeu o báculo, bastão que simboliza a passagem do poder de todo o povo andino, agora em suas mãos. Em cima da pirâmide, também lhe foi entregue uma réplica do manto sagrado, Unku, usado há dez séculos na dinastia imperial de Tiwanaku.
Viajantes de todo o continente se aglomeraram para assistir ao ritual indígena. Entre a multidão de bolivianos, se destacavam mochileiros vindos de todas as partes. Muitos estrangeiros, que estavam de férias na Bolívia, estenderam a viagem por mais alguns dias para assistir à posse. Um adolescente norte-americano contou que veio "estudar a história da América Latina".
Centenas de carros pararam o trânsito do município. Para chegar ao local da cerimônia era preciso caminhar por mais de meia hora e sob a chuva que caia. A água deu trégua 15 minutos antes da cerimônia, que se iniciou às 12h30 (14h30 em Brasília). O sol apareceu durante toda a posse. Como se estivesse controlada, a chuva voltou assim que terminou o evento.
Três cordões de isolamento fizeram a segurança. O primeiro foi composto, a pedido de Morales, pelos próprios habitantes. Mais de mil indígenas montaram a "guarda comunitária", que barrava quem tentasse passar usando chicotes. Um segundo cordão foi feito pela força armada, e um terceiro, já mais perto das ruínas, pela polícia militar.
Cem barracas das Forças Armadas foram montadas para abrigar as 33 comunidades camponesas que enfrentaram o frio da madrugada para garantir um lugar na posse. Banheiros móveis foram colocados nas ruas. Os hotéis estavam lotados. A escola e o centro de turismo foram transformados em alojamento.
"Vamos acabar com o estado colonial" discursou Evo Morales. "Este é o meu compromisso para defender os bolivianos e os povos indígenas da América. Para isso, necessito do apoio de todos vocês. Este não é um sonho de Morales, mas de todos os bolivianos. Intelectuais, classe média e empresário, vocês também devem se sentir orgulhosos do povo indígena original. Respeitando a diferença, todos terão direito à vida."
O novo presidente boliviano se emocionou ao lembrar de Che Guevara. "Estamos realizando um sonho de Che", afirmou. "Queremos governar com vontade e responsabilidade para enfrentar os problemas da Bolívia". Ao falar da minoria boliviana branca (15% da população), Morales ressaltou que "eles não participaram da fundação da Bolívia". E concluiu: "Por isso, os povos originais vão governar a Bolívia".