Militantes pela liberdade de expressão sofrem intimidação durante cúpula da ONU em Túnis

20/11/2005 - 16h35

Spensy Pimentel
Enviado especial

Túnis (Tunísia) - Enquanto boa parte das delegações oficiais e da sociedade civil organizada comemorou os resultados da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, Loe Schout, confessou sua decepção: "É realmente triste ver certas coisas num evento de tamanha grandeza", diz ele. Um dos dirigentes da organização civil Hivos, de origem holandesa, Schout assistiu nos últimos dias a episódios de intimidação e violência contra militantes pela liberdade de expressão que procuravam participar do evento das Nações Unidas.

"Expressão sob Repressão" foi um dos temas dos eventos organizados pela Hivos na Cúpula. Na última quinta-feira, segundo Schout, mais de 20 policiais tunisianos à paisana tentaram "intimidar" os participantes de um desses encontros, insinuando que eles deveriam apenas "assistir" a uma palestra, não deveriam "participar" de uma discussão. O debate, diz Schout, era realizado fora da área sob responsabilidade direta da ONU em Túnis, mas não houve maiores problemas.

Na sexta-feira pela manhã, enquanto Schout concedia entrevista à Agência Brasil, ele apontou para um homem de terno que gravava em vídeo cenas de outro evento da Hivos, a partir da porta da sala de conferências. "Está vendo? É da polícia secreta", disse ele. O homem disse à reportagem pertencer à equipe tunisiana de organização do evento, sem explicar por que gravava as cenas.

Pouco mais tarde, em um dos ônibus que fazia o traslado entre o Palácio de Exposições de Túnis e os hotéis do centro da cidade, após alguns minutos de comentários sobre a cidade e a participação dos jogadores brasileiros no futebol local, um tunisiano que puxou conversa se identificou inicialmente como "voluntário" na organização da cúpula, para depois exibir a carteira que o identificava como policial.

"É crucial falar de liberdade de expressão quando se discute a sociedade da informação", defende Schout. Ele alerta que, na realidade atual, as violações a esse direito não se dão apenas em países tradicionalmente associados a essas denúncias, como Irã ou China. "Sob a desculpa da luta contra o terrorismo, hoje os Estados Unidos e países europeus como a Inglaterra e a Holanda também cometem várias violações, vigiando indiscriminadamente comunicações privadas, por exemplo, e desrespeitando vários outros direitos civis", diz ele.

Durante a Cúpula, organizações internacionais divulgaram vários comunicados denunciando episódios de violação à liberdade de expressão na Tunísia, relacionados ao evento.

Segundo os Repórteres sem Fronteiras, esta semana, o secretário geral da organização de origem francesa, Robert Ménard, foi impedido, ainda dentro do avião que o trazia a Túnis, de desembarcar na cidade, apesar de ter sido credenciado para o evento.

Ainda segundo a organização, Ménard é acusado de ter violado as leis tunisianas em outras ocasiões, e por isso foi impedido, na versão do governo local, contestada pela organização. A RSF acusou a ONU e a França de "cumplicidade" no episódio, por não terem tomado medidas para garantir a presença de Ménard na cúpula.

A reportagem da Agência Brasil procurou localizar os cinco representantes da RSF que estariam em Túnis participando da cúpula. Segundo Schout, eles estavam se ocultando no evento, para evitar a perseguição dos policiais tunisianos.

No início da semana, foi interrompida a chamada Cúpula Cidadã da Sociedade da Informação, organizada pela sociedade civil local. Segundo comunicado, o ativista Omar Mestiri, diretor da revista online Kalima e integrante do Conselho Nacional pelas Liberdades em Túnis, junto com colegas da revista, foi agredido por policiais ao chegar para uma reunião da cúpula paralela. Integrantes de organizações internacionais, como a Human Rights Watch, também teriam sido atacados na ocasião.