Ações sociais sustentam renda dos mais pobres apesar de desaceleração da economia, diz Pochmann

24/08/2005 - 10h49

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Nos últimos meses, pesquisas de opinião têm mostrado que a população percebe aumento da renda em 2005. Na semana passada, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou estudo mostrando que o rendimento médio dos assalariados cresceu em 1,5% com o reajuste do mínimo para R$ 300 e impactou a venda de alimentos em 3,35%, em junho, em relação ao mesmo mês de 2004.

A última consulta mensal realizada pelo instituto Sensus, sob encomenda da Confederação Nacional dos Transportes, em julho, mostrou que subiu de 12,7% para 18,2% a parcela dos entrevistados que percebe aumento da renda mensal nos seis meses anteriores à pesquisa – na mesma sondagem, são 50,6% a considerar que a renda permaneceu a mesma (54,6% na pesquisa anterior, de maio) e 30,6% dizendo que ela diminuiu (30,8% na anterior).

Para o economista Marcio Pochmann, o aumento da renda, principalmente entre as classes de menor poder aquisitivo, está relacionado não só ao aumento do salário mínimo, mas também à expansão do microcrédito e a ampliação dos programas de transferência de renda.

O ciclo de recuperação econômica que o país registrou desde a metade de 2003, segundo Pochmann, foi além da expansão do setor exportador e do agronegócio em 2004 e atingiu "regiões metropolitanas e setores de atividade interna do mercado". A manutenção de "altas taxas de juro", diz o economista, afeta esse ciclo de recuperação em 2005, mas vem sendo compensada pela manutenção das exportações, principalmente do agronegócio, e, no que se refere à população mais pobre, pelos programas sociais do governo. Por isso, esse segmento vive agora uma situação em que o crescimento da renda ainda é mantido, mas é pressionado pelos juros, que inibem o consumo e os investimentos.

Pochmann, que é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade de Campinas, foi secretário do Trabalho na gestão de Marta Suplicy (PT) na Prefeitura de São Paulo (2001-2004). Em São Paulo, coordenou a implantação de programas de transferência de renda. No esforço de mensurar o impacto desse trabalho, realizou pesquisas sobre a geração de empregos e o comércio dos bairros da periferia pobre da capital paulista.

Leia a seguir a primeira parte da entrevista concedida à Agência Brasil.

Agência Brasil - Pesquisas recentes mostram aumento de renda dos assalariados. O que está ocorrendo?

Marcio Pochmann - Há um contexto mais amplo, que diz respeito praticamente ao terceiro e quarto trimestres de 2003, quando a economia voltou a apresentar sinais de recuperação. Nós tivemos, então, um impacto da recuperação relativamente concentrado em setores de renda mais alta.

Em 2004, foi que o crescimento econômico se deu de forma mais ampliada, não apenas, e tão somente nos setores exportadores e vinculados ao chamado agronegócio. Nós tivemos um impacto bastante importante nas regiões metropolitanas e direcionado a setores para atividade interna do mercado. Parcela dessa motivação se deu certamente em função de medidas importantes, naquele momento, no que diz respeito ao crédito, ao endividamento possível a trabalhadores de carteira assinada com crédito consignado, e também à possibilidade que se abriu aos trabalhadores aposentados nesse sentido.

Em 2005, temos um prolongamento dessa recuperação, não no mesmo ritmo que tivemos em 2004, mas ainda há um efeito importante, no meu modo de ver, até de uma ação anticíclica, porque, pelo tamanho das taxas de juros, certamente nós teríamos uma desaceleração econômica mais acentuada em 2005. Isso não tem ocorrido, justamente pelo fato de que as exportações continuam ainda, sobretudo as de agronegócios, muito bem no mercado internacional e, mais que isso, por algumas medidas que têm tido um efeito importante, sobretudo nos rendimentos menores do Brasil.

ABr - Quais seriam as medidas que afetam de forma mais significativa essa população de baixo poder aquisitivo?

Pochmann - Três medidas têm tido um efeito importante. No caso (do reajuste) do salário mínimo, acredito que inegavelmente a injeção de recursos vai justamente para setores de mais baixa renda. Isso tem repercussão inclusive entre os aposentados, e nós sabemos que praticamente um terço dos aposentados no Brasil são chefes de família, especialmente nas regiões menos desenvolvidas nacionalmente.

Nós temos ainda uma continuidade do endividamento proveniente do microcrédito, e também as medidas de reajuste da tabela do imposto de renda, o que, de certa maneira, pegou a classe média. Nós tivemos a correção de uma parte da tabela de imposto de renda, isso significou um conjunto de recursos adicionais.

E segue, por outro lado ainda, a ampliação do Bolsa Família, em termo do número de famílias que passam a receber o recurso contínuo. Nesse sentido, então, nós temos elementos novos, comparativamente ao que tínhamos no período anterior a 2003, e isso reforça, certamente, as camadas de menor poder aquisitivo.