Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Florianópolis – Na Alemanha, 60% da poupança do país está aplicada em bancos locais. Nos Estados Unidos, uma lei, o Comunity Reivestment Act, obriga os bancos a investirem o dinheiro que captam dos cidadãos no próprio município onde eles moram. Enquanto isso, num estudo feito em Bertioga (SP), constatou-se que 92% do dinheiro depositado pelos cidadãos nos bancos estava aplicado na especulação financeira e só 8% era reinvestido no município.
Os dados acima são alguns dos exemplos que o economista Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, usa para explicar por que o apoio ao desenvolvimento local no Brasil ainda é falho e as comunidades "tiram leite de pedra".
"O grande negócio no Brasil conta com amplas redes de apoio tecnológico, político e financeiro. São bilhões para os bancos, bilhões para o agronegócio. Enquanto isso, o apoio aos pequenos ainda é fragmentado e desarticulado. Não se constitui numa política de apoio no sentido pleno", diz. "O que nós estamos buscando é como dinamizar aquilo que o geógrafo Milton Santos chamava de ‘circuito inferior da economia’", completa.
Dowbor abriu ontem (7) o seminário Entraves e Propostas de Políticas Públicas para o Fortalecimento do Desenvolvimento Local, primeiro de uma série de eventos de um projeto que vai formular, até o fim do ano, uma política nacional de apoio ao setor. A parceria para a realização do projeto é entre o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Instituto Cidadania, organização não governamental (ONG) que criou o Fome Zero e vários outros projetos incorporados ao programa do atual governo.
O economista citou em sua palestra mais exemplos atuais de políticas de apoio ao desenvolvimento local em outros países, como a formação de 1,2 milhão de técnicos de extensão tecnológica na Índia, a geração na França de ONGs para fazer a intermediação financeira com pequenas iniciativas econômicas, ou, como já existe em vários municípios brasileiros, regras para obrigar o governo local a fazer compras de fornecedores na própria cidade, como forma de
incentivar o comércio e a produção.
Lembrando o exemplo de Bertioga, Dowbor cita o economista francês Ignacy Sachs, que propõe como método para planejar o desenvolvimento local a "identificação dos recursos subutilizados". Dowbor compara a situação brasileira com a de países africanos onde trabalhou como consultor das Nações Unidas, nos anos 70: "Posso entender a fome em Mali, onde há desertificação, seca, pobreza, mas não no Brasil, onde nós temos por todo o país, abundância de terras, mão de obra e mesmo recursos financeiros no sistema público e no sistema privado. O problema é que
esses recursos estão transformados em aplicações no sistema especulativo".
Outro entrave para as iniciativas locais que Dowbor enxerga no Brasil é a forma de organização do Estado, que, segundo ele, não está atualizada em relação ao processo de urbanização por que o país passou nas últimas décadas. "Nós mudamos, mas a estrutura ainda é a mesma do tempo em que tudo se resolvia na capital". Segundo o economista, no Brasil, só 13% do que é arrecadado no país é controlado pelos municípios, enquanto, em países como a Suécia, esse número chega a 72%.
Cabaceiras, no agreste paraibano, é um dos exemplos de iniciativas locais que conseguem tirar "leite de pedra", na expressão de Dowbor. Ele conta que participou da premiação da cidade no projeto Gestão Pública e Cidadania, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Pequena e distante do mar, a cidade apostou no turismo como alternativa econômica, apresentando-se na internet como possibilidade para os estrangeiros conhecerem uma "típica" comunidade do semi-árido nordestino. O resultado, segundo Dowbor, é que está "chovendo turista sueco na cidade". "Eles quadruplicaram a receita do município, com coisas como
a Festa do Bode Rei e o Bode Shop", conta.
O economista afirma que, no Brasil, iniciativas como essa são ainda uma prova de persistência de pequenos grupos espalhados pelo país. "Não precisa tirar leite de pedra. Nós podemos criar um ambiente mais favorável para que essas iniciativas se desenvolvam".