Rodrigo Savazoni e Aloisio Milani
Repórteres da Agência Brasil
Brasília – O agronegócio, a política econômica ortodoxa e a própria natureza do Estado brasileiro são, para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as maiores barreiras para a execução da reforma agrária no país. Por isso, há cerca de duas semanas, mais de dez mil trabalhadores caíram na estrada para mostrar à sociedade a insatisfação dos que não possuem um pedaço de terra para plantar.
Entre esses mais de dez mil homens e mulheres, de todas as idades, está João Paulo Rodrigues, um paranaense, de 26 anos, que adotou a luta no Pontal do Paranapanema, região do Estado de São Paulo marcada por constantes conflitos pela posse da terra. Hoje, João Paulo é membro da Coordenação Nacional do MST e funciona como uma espécie de embaixador do movimento em Brasília.
É ele, por exemplo, quem circula pelo Congresso Nacional. É também quem está na maioria das fotos publicadas pela imprensa quando o assunto é uma reunião entre o movimento e um ministro. Por fim, é um dos principais porta-vozes do MST. Nesta entrevista exclusiva à Agência Brasil, João Paulo fala sobre a importância de levar à sociedade a visão política e conjuntural do movimento.
"Queremos fazer um grande debate com a sociedade brasileira", afirma. "E, nesse debate, vamos priorizar o tema da reforma agrária. Mas, acima de tudo, trabalhar a questão do modelo econômico no Brasil. O povo brasileiro precisa opinar, precisa conhecer de fato o que está em jogo do ponto de vista do projeto de desenvolvimento para o Brasil". Leia a seguir a entrevista, que está dividida em quatro partes.
ABr: Em 2003, o MST marchou pela reforma agrária pedindo 1 milhão de assentamentos. Voltou com o Plano Nacional de Reforma Agrária, que garantia 400 mil assentamentos. Dois anos depois, o MST marcha para pedir, entre outras coisas, a execução dessas metas que foram acordadas num momento em que apenas 25% das metas foram cumpridas. O MST acredita que ainda é possível que o governo cumpra as metas?
João Paulo: Achamos que o Estado brasileiro tem condições de fazer um programa de assentamento e atender as metas com tranqüilidade. Nós entendemos que o Incra, apesar de ser uma estrutura que está bastante sucateada, ainda poderá fazer um processo massivo de vistoria e pela grande quantidade de terras improdutivas que existe no nosso país, pela grande quantidade de sem-terras que estão cadastrados em nosso país, nós achamos que há condições e que nos próximos dois anos o governo atenda a meta de assentar as mais de 400 mil famílias que foi prometido pelo presidente Lula.
Porém, primeiro tem que ter uma quantidade de recursos disponível para o Incra e para o Ministério do Desenvolvimento Agrário para que eles possam fazer esses assentamentos. E vontade política, tanto do Congresso, do presidente Lula, do ministro Miguel Rossetto e um certo apoio da sociedade para que de fato o governo possa atender essa demanda.
Só pra vocês terem uma idéia o governo Lula fez a promessa de assentar, nos quatro anos de seu mandato 400 mil famílias, dessas foram assentadas 110 mil, ou seja, ainda há uma grande quantidade de famílias que precisam ser assentadas nos próximos dois anos.
ABr: E quanto às reivindicações mais profundas na política econômica?
João Paulo: Estamos muito preocupados porque a princípio há uma lógica de que esse modelo econômico vai resolver os principais problemas brasileiros – que é o tema do desemprego, da educação, da moradia, e a reforma agrária. Na avaliação do MST, esse modelo é concentrador, tendo em vista que paga alta taxas de juros, e que infelizmente prioriza a exportação como forma de resolver os problemas internos do país. Compreendemos que se o governo não fizer uma mudança o quanto antes, possivelmente terá grandes problemas no próximo período.
Essa mudança só será possível se houver uma decisão por parte do presidente Lula em mudar toda sua equipe econômica, começando pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Mas isso é uma responsabilidade do presidente Lula. Em segundo lugar se houver uma crise na economia internacional, tendo em vista que qualquer crise que se dá na China vai chegar no Brasil. Isso poderá fazer com que o governo mude a lógica e altere a política econômica inclusive para proteger a economia brasileira.
E também se houver um grande apelo da sociedade brasileira para mudar a política econômica. E esse apelo tem que ser conjugado em uma ação de massa onde o povo possa sair às ruas. Ao mesmo tempo um debate e um projeto nacional que possa ser feito com o conjunto dos intelectuais brasileiros, lideranças sociais, da opinião pública, e dos meios de comunicação. Para ter essa clareza que, com esse modelo econômico, dificilmente vamos ter condições reais de implementar um programa de desenvolvimento nacional com geração de empregos.
ABr: E o que o movimento mudaria se controlasse o Ministério da Fazenda?
João Paulo: Três temas centrais nós achamos importantes. Um deles é o tema das altas taxas de juros, ou seja, o Brasil tem a maior alta taxa de juros do mundo. Achamos que esse é um problema que tem que ser resolvido o quanto antes. O segundo é a política fiscal. Um superávit de 4,25% do PIB por ano é um superávit muito alto. Achamos que a economia brasileira não agüenta um ajuste desta natureza e isso precisa ser mudado. Por último é o tema da dependência do capital financeiro internacional e ao mesmo tempo a dependência da lógica da exportação em especial de produtos agrícolas.
Nós achamos que o Brasil tem um mercado de massa muito grande que poderia produzir muito para abastecer o mercado interno e ao mesmo tempo não precisaria dessa quantidade de investimento internacional, tendo em vista que esse investimento ele é um capital financeiro e especulativo, que não investe na área de geração de empregos.
ABr: Uma das principais críticas do MST nesse momento está localizada na questão do agronegócio. O governo Lula tem defendido constantemente que é possível a coexistência do agronegócio com a agricultura familiar. O MST acha que isso é possível?
João Paulo: Do ponto de vista territorial, sim. O país é muito grande e tem mais de 116 milhões de hectares de terras agricultáveis. Então é possível ter agricultura de soja, cana-de-acúçar e ao mesmo tempo, produção familiar. Já do ponto de vista econômico, é inviável na medida em que toda agricultura, seja ela pequena ou grande, precisa de financiamento público para a sua manutenção.
E na medida que o governo prioriza o agronegócio, a grande quantidade de recursos e assistência técnica e investimento do ponto de vista da pesquisa é completamente voltada para esse modelo. Na avaliação do MST, é importante que tenha algumas culturas com maior quantidade de áreas plantadas, mas tem que haver uma prioridade clara na agricultura familiar e nos assentamentos de reforma agrária.
E por três motivos: geração de empregos, porque a forma mais barata de gerar emprego hoje é justamente a pequena agricultura com os assentamentos da reforma agrária; o segundo é a preservação ambiental, porque sabemos que a cultura da soja já destruiu o cerrado brasileiro e está entrando na Amazônia, mas também a cana-de-acúçar tem trazido um prejuízo no interior de São Paulo e na Zona da Mata no Nordeste; e por último é uma preocupação com a clara dependência de ter que trabalhar somente com o mercado internacional. Ou seja, toda a produção está voltada para o agronegócio, na qual a renda continua centralizada nas mãos de grandes transnacionais.
Por isso, o MST considera que é impossível continuar com os dois modelos. Do ponto de vista geográfico, até que é tranqüilo. Do ponto de vista econômico, é quase como assinar um decreto que a agricultura familiar e a reforma agrária estará entrando num processo de falência.