Alessandra Bastos e Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Na última parte de sua entrevista exclusiva à Agência Brasil, o documentarista João Moreira Salles dá seu ponto de vista sobre as atuais discussões em relação à criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Ele reconhece as dificuldades para o projeto, dando como exemplo o entendimento da Rede Globo sobre ele, mas lembra que a discussão sobre a regulação do setor é "saudabilíssima".
"O que eu acho muito positivo é que está havendo uma discussão, no coração do governo, a respeito do audiovisual no Brasil", afirma Salles, que é diretor de "Entreatos", documentário em longa-metragem que acompanha a reta final da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.
Agência Brasil- Como você, cineasta e cidadão, acompanha hoje essa discussão que está acontecendo sobre política audiovisual?
João Moreira Salles - Não tenho grandes contribuições a fazer. Eu deveria entender um pouco mais, deveria ter participado dessa discussão com mais empenho do que participei. Eu conheço o projeto da Ancinav e eu acho que ele tem defeitos, como todo projeto muito abrangente. Acho que ele vai encontrar resistências muito grandes de interlocutores importantes como, por exemplo, a Rede Globo. E eu não sei, até que ponto, será possível enfrentar esses obstáculos.
O que eu acho muito positivo é que está havendo uma discussão, no coração do governo, a respeito do audiovisual no Brasil. Há um interesse em discutir uma política de longo prazo para o cinema brasileiro. Dessa discussão, você pode sair com um projeto muito acanhado, medíocre, o que seria muito ruim. E você pode sair com um projeto muito bom. Seria audacioso, mas você vai ter que necessariamente contrariar interesses importantes.
Nesse momento, é muito difícil dizer qual será o resultado de tudo isso. O que eu posso dizer, com toda certeza, é que me parece saudabilíssimo que essa discussão esteja acontecendo, e com interlocutores tão essenciais no poder Executivo. Você está discutindo isso junto à Casa Civil. É uma discussão em primeiro nível. Isso é muito importante, dá ao cinema um fórum de discussão muito qualificado.
Agora, como a lei é uma lei que será necessariamente modificada, é preciso saber o quanto ela será modificada e qual será o resultado prático dela. Quer dizer, quando ela existir, no que de fato ela terá feito. Algumas cláusulas são muito audaciosas e são fundamentais. Por exemplo, buscar a participação da televisão é essencial. Sem isso, o cinema brasileiro terá sempre muitas dificuldades de fincar raízes. Ele será sempre uma coisa cíclica.
Agência Brasil– Como você vê essa discussão em relação ao quadro internacional?
João Moreira Salles – As leis que existem mundo afora, com exceção dos Estados Unidos, e que deram certo, deram certo porque houve sempre a exigência de que as televisões apoiassem, de alguma maneira, a produção do cinema. Seja por meio de receita, uma taxação sobre receita, seja por meio da obrigação de investir parte das suas verbas de produção em produção independente. Quer dizer, não produzir tudo dentro de casa, necessariamente ter que contratar, com produtores independentes, um pedaço da sua produção.
Seja como for, a participação da televisão é essencial em países que tenham um público tão pequeno que vá ao cinema. O cinema é um programa caro. Então, é preciso saber se será possível enfrentar esses obstáculos, que são defendidos legitimamente por quem está do outro lado. Eu entendo que a televisão diga: "Não, não mexa com as nossas receitas. Que direito vocês têm?" É uma discussão que será vencida por aquele que apresentar os maiores argumentos, que tiver mais ênfase na discussão.
Agência Brasil– Você lembrou os aspectos positivos e audaciosos do projeto. Existe algum outro ponto que você considere problemático?
João Moreira Salles – Não. Houve aquela discussão, no início, a respeito de uma tendência, que imediatamente foi eliminada do texto, de eventualmente haver um conselho que supervisionasse o conteúdo dos filmes. Isso tem que ser recusado, como foi. Aquilo ali foi uma trapalhada, que imediatamente foi consertada. Temos que estar muito atentos a esse tipo de cláusula, digamos, de interferência no conteúdo. Isso é inadmissível, mas foi imediatamente reconhecido e foi tirado. Então deixou de ser um problema.