Especial 3 - Lula das greves no ABC ajuda a compreender o candidato de 2002, afirma diretor

07/12/2004 - 12h40

Alessandra Bastos e Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Leia a seguir o terceiro trecho da entrevista exclusiva com o documentarista João Moreira Salles, diretor de "Entreatos", filme que retrata a campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.

Agência Brasil - Eduardo Coutinho nos disse que "Peões" partiu de uma sugestão de Lula. Como foi isso?

João Moreira Salles - Na época em que eu consegui finalmente o encontro com Lula, no início de agosto (de 2002), a gente ainda trabalhava com duas hipóteses. A primeira que tinha me ocorrido era fazer um só filme sobre o segundo turno. Eu filmaria um candidato e o Eduardo filmaria o outro. O filme seria um vaivém entre uma campanha e outra. Com o tempo, o Coutinho disse para mim: "Olha, João, eu não sei se sei fazer isso. O meu cinema não é um cinema ‘de acompanhar’. Eu não teria paciência. Eu queria propor uma segunda idéia, de fazer um filme sobre o ABC, que eu sempre quis fazer".

Quando a gente chegou ao Lula – foi um encontro reservado, em um café da manhã, numa sala fechada –, eu, Eduardo (Coutinho), o presidente, dona Marisa (esposa de Lula) e o Gilberto Carvalho (então assessor de Lula, hoje seu chefe de gabinete, é antigo dirigente petista), só nós cinco. Dissemos que estávamos pensando nesses dois formatos. Lula disse o seguinte: "Olha, minha campanha é histórica". E era. Por diversas razões.

O Gilberto até disse: "Olha, Lula, acho melhor fazer os dois candidatos, porque eles terão a certeza de filmar o vencedor". E o Lula disse: "A minha campanha é histórica. Mesmo se eu perder, ela será histórica. E é muito difícil vocês entenderem quem eu sou, se vocês não entenderem o ABC, a luta sindical, o sindicalismo, a cultura operária".

Agência Brasil - Vocês concordaram com essa avaliação?

João Moreira Salles - Isso é meio definitivo, porque, de fato, o único candidato que representava uma novidade, naquele momento, era o Lula, não era o Serra. Eu acho até que o Serra era um bom candidato. Não era uma campanha em que você estava diante de um candidato excelente e de um candidato terrível. Não. Você tinha duas idéias de Brasil de boa qualidade. Mas, o Serra seria um pouco a repetição do Fernando Henrique. Quer dizer, alguém que vem da classe média, pela universidade, com instrução, é um intelectual. Seria a reprodução de uma coisa que já foi vista no Brasil.

O Lula não. O Lula era uma novidade inegável. E de fato é muito difícil entender o Lula, se você não entende 79 e 80. Então, foi um formato perfeito para a gente, principalmente porque ele não nos agride, a mim e ao Eduardo, em relação ao nosso cinema. Eu pude fazer um cinema mais parecido com o que estou acostumado a fazer, um cinema de observação, que interfere pouco, que acompanha, que vê. E ele pôde fazer o cinema que ele faz, um cinema de intervenção, em que as coisas acontecem porque ele organiza para que as coisas aconteçam. Quer dizer, ele senta a pessoa diante da câmara e começa a conversar com ela.

Agência Brasil- É curioso que, onde a imprensa em geral viu um divórcio, você vê uma reconciliação...

João Moreira Salles - Eu vejo uma reconciliação clara. É claro que eu não quero dizer que são personagens iguais. Ninguém é igual a si mesmo depois que se passam 30 anos, muita coisa muda. Mas, tem alguns traços essenciais para você compreender o Lula de 2002 que você encontra no Lula de 79 e de 80. O pragmatismo é um deles. A maneira não dogmática de ver o mundo e as pessoas é outro. O Lula era muito duro, mas ele sentava com o patrão. O patrão era um adversário, não era um inimigo. É diferente. O Lula de 2002 não tem inimigos. Tem adversários, mas não tem inimigos. E eu acho isso bom.