Secretário da Receita Federal acredita em maior arrecadação no final do ano

24/09/2003 - 16h38

Murilo Ramos e Edla Lula

Brasília - Nessa terça-feira, o Ministério do Planejamento anunciou um corte no orçamento de 2003 no valor de R$ 319 milhões. O argumento utilizado para o contingenciamento foi a perda de arrecadação de impostos e contribuições nos últimos meses, em decorrência do resfriamento da atividade econômica, que, inclusive, teve sua previsão de crescimento revista para 0,98%. Apesar deste cenário, o responsável por "recolher" os impostos, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, está mais otimista com o cenário nos próximos meses. Segundo ele, a partir da redução das taxas de juros e com a possibilidade da revitalização econômica no final do ano, o caixa deve ganhar fôlego. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Rachid tratou, ainda, da importância da reforma tributária e de ações para coibir a sonegação fiscal. Admitiu, ainda, uma extrema dificuldade em reaver recursos de impostos devidos, como os da Cide. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Agência Brasil O governo anunciou novos cortes no orçamento, reviu para baixo a previsão de PIB, mas ao mesmo tempo está otimista com relação à recuperação da atividade econômica no próximo trimestre. Quais os sinais que a Receita pode dar?

A arrecadação deste ano, comparada com o resultado do ano passado, vem com um patamar razoável, inclusive com variação real pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Se excluirmos as receitas extraordinárias obtidas no ano passado, de R$ 20 bilhões, temos uma variação positiva em torno de 5%. Na previsão para o final do ano, se analisarmos alguns tributos que realmente são mais próximos, mais aderentes à atividade econômica, como o IPI e a Cofins, comparando julho com agosto, mesmo considerando que julho teve cinco semanas e agosto apenas quatro, verificamos um aumento real na arrecadação em relação a julho. Note que a economia está já num processo de recuperação e crescmento. É o que a gente espera para setembro. Note que a nossa análise é sempre considerando o ano passado e excluindo as receitas atípicas. Agora, mesmo considerando as atípicas, a diferença é pequena, temos um empate técnico.

A arrecadação de 2003 vem sofrendo o impacto das liminares na justiça por conta da Cide (imposto dos combustíveis) e do IPI. O governo deixou de arrecadar este ano R$ 1,740 bilhão. Com a suspensão das liminares é possível recuperar?

Quando é concedida uma liminar em primeira instância e até ser revertida em segunda instância várias operações já foram realizadas por empresas que muitas vezes são empresas sem a mínima capacidade de operação e essa perda é lamentável. Nós não vamos conseguir recuperar, ou, pelo menos, a recuperação será muito mais difícil. Em relação à Cide, a recuperação do passado é trabalhosa. Conseguimos reverter e temos posicionamento de todos os tribunais, mas se houver concessão em primeira instância não teremos garantia da arrecadação. Talvez estejamos estancando a perda. Mas a recuperação não teremos. O que queríamos desde o começo era o depósito em juízo. Quando se faz isso muitos desistem e deixam de operar, porque só podem comercializar se não pagarem a contribuição.

Apesar do governo afirmar que a reforma tributária é neutra, muitos questionam. É possível ser categórico e afirmar que não vai haver aumento de impostos, ou isso é exercício de futurologia?

O principio básico acordado com os governadores e a posição do governo é essa, que a reforma tributária é neutra. O que fizemos com a PEC 41 observou o principio da neutralidade, buscou a melhoria da economia, melhoria dos mecanismos econômicos e uma melhoria do sistema tributário. Acreditamos nessas melhorias, como a exigência do imposto na origem, que inibe a evasão tributária. Fora outras mecanimos de conteção dos incentivos fiscais. Esperamos até por essas melhorias dos mecanismos econômicos e tributários uma maior eficiência da máquina administrativa e do sistemas que poderá acarretar o aumento da arrecadação. O que se quer na progressividade de alguns tributos é promover a justiça tributária.

Agência Brasil Mas o senhor admite que pode haver aumento da carga tributária em função de interferências no congresso?

É uma pergunta difícil, porque no Congresso a discussão é outra. Esperamos que não porque é um princípio da reforma. Mas temos de levar em conta outros aspectos. Vamos imaginar se todos os contribuintes resolverem liquidar seus débitos. Podemos dobrar a arrecadação. No limite, a carga será do tamanho do PIB. Vamos melhorar a administração tributária e buscar maior eficiência da máquina. Vamos chegar mais rápido e estaremos mais próximos do contribuinte faltoso. Teremos uma arrecadação maior. Mas individualmente a nossa carga subiu? Não. Podemos até pensar numa arrecadação satisfatória e repensar o tamanho da carga individual. Nós precisamos fazer ajustes pontuais na legislação. Quem está pagando menos do que os outros têm que pagar do mesmo tamanho. Amanha se todo mundo tiver pagando do mesmo tamanho, podemos pensar que o tamanho pode ser um pouquinho menor. As condições do nosso pais é bem diversa da de outros paises. Temos um hiato entre quem ganha mais e menos nesse país. A concentração de renda é muito grande. Estamos falando em 6,6% da População Economicamente Ativa que paga imposto de renda. O estado devolver o serviço público para o contribuinte é sinal de que ele atendeu as necessidades de 93% da população. A exigência de gastos é muito grande.

Agência Brasil Como o senhor está vendo as discussões no Congresso. É reforma tributária ou adequação de alguns tributos?

O tema tributário é complexo. Não se faz uma mudança drástica no sistema tributário. Isso não existe. Tentamos isso durante oito anos e não conseguimos. Não se pode mudar e ir para o risco, senão você quebra o país. Mais complexo ainda é o próprio ICMS. Quando coloca todos os ingredientes a discussão se torna cada vez mais complexa. Se traz um ingrediente com determinada situação num tributo de tamanha necessidade que é o icms se cria outro. São coisas que vamos arrematamos. Não é um evento é um processo. A legislação muda constantemente. Novas situações vão surgindo.

Agência Brasil Receita tem como garantir arrecadação para cobrir gastos estimados entre R$ 6 bilhões e R$ 15 bilhões, que a Comissão de Orçamento do Congresso aponta como "sem receita" correspondente no orçamento do ano que vem por conta dos acordos feitos em torno da reforma?

Não posso avaliar. A Secretaria da Receita oferece recursos e outras secretarias apresentam as formas de gastos e destinação desses recursos. Trabalhamos com todas as possibilidades: aperfeiçoamento da máquina. Trabalhamos com as condições impostas para o primeiro ano de um governo. Estamos aperfeiçoando a máquina e buscando novos mecanismos para arrecadar mais.

Agência Brasil No Brasil existe uma crença de que rico não paga imposto. Em que medida essa reforma tributária vai mudar essa máxima e realmente promover a justiça tributária?

Ela prevê melhorias econômicas. Por outro lado, há essa previsão de melhora da administração tributária, com mecanismos de controle para coibir evasão. Paralelamente há proposta da desoneração de bens de medicamento e da cesta básica em relação ao ICMS.

Agência Brasil Como estão as simulações do Imposto de Renda?
Está tudo em fase de estudo. Estamos fazendo várias simulações. O ministro ainda vai analisar e só depois vamos colocar.

Agência Brasil Vários paises têm buscado se espelhar no sistema de fiscalização na cobrança de impostos brasileiro. O que faz do Brasil excelência nessa área?

A Receita Federal do Brasil é destaque internacinal. Tive oportunidade recentemente de participar da assembléia do Ciat (Centro Interamericano de Administradores Tributários) e às vezes coisas triviais como saber qual foi a arrecadação do dia anterior, em três dias saber quando exportamos.

Agência Brasil Já se pensou em ganhar dinheiro com isso, ou seja, vendendo tecnologia brasileira?

No ambiente de administradores, é levado como intercâmbio, informações. Nós também já recebemos informações de fora. Há dez anos implantamos a auditoria eletrônica com um intercambio com o Canadá. O Brasil avançou muito, inclusive do ponto de vista da legislação. Ficamos à vontade em eventos internacionais. A gente sente orgulho quando vê nas discussões sobre imposto de renda você tem o painel com a legislação da OCDE, a americana e a do Brasil.