Lia Rangel
Enviada Especial
Nova York - Foram abertos ontem oficialmente os trabalhos da Assembléia Geral das Organizações Unidas, na sede da organização, em Nova York. Em um de seus momentos de maior instabilidade, uma nova perspectiva se abre para a ONU com o anúncio de que uma reforma será feita o mais breve possível. O secretário-geral Kofi Annan propôs a criação de um painel composto por personalidades do todo o mundo que terá, principalmente, a responsabilidade de pensar maneiras efetivas de zelar pela paz e pela segurança globais. Para ele, as decisões que saírem desse debate são tão importantes, quanto aquelas que resultaram na criação das Nações Unidas, em 1945.
O Brasil se apresenta como forte candidato a integrar esse grupo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro a ter o direito à palavra após a fala de Annan. Com um discurso focado em interesses internacionais e destacando a necessidade da "humanização da humanidade", Lula foi incisivo, mas terno. Propôs a criação de um fundo internacional de combate à fome, citou pacifistas como o papa Paulo VI e Gandhi e não poupou referências ao espírito cristão que afirma estar se perdendo com o desenvolvimento das tecnologias e a busca pelo poder.
"Quanto mais a humanidade parece aproximar-se de Deus pela capacidade de criar, mais o renega pela incapacidade de respeitar e proteger suas criaturas", afirmou em um dos trechos de seu discurso. "De que vale toda essa genialidade científica tecnológica, toda a abundância e o luxo que ela é capaz de produzir, se não a utilizamos para garantir o mais sagrado dos direitos: o direito à vida?", perguntou o presidente.
Lula apresentou propostas concretas para a reforma da ONU, como o fortalecimento do Conselho Econômico e Social e a ampliação do Conselho de Segurança. Também reiterou a intenção brasileira de ocupar um assento permanente no órgão. O presidente também condenou as ações americanas no Iraque ao afirmar que é preocupante a tendência a desinvestir a ONU de sua autoridade política. "A ONU não foi concebida para remover os escombros dos conflitos que ela pôde evitar", afirmou.
Logo após o discurso do brasileiro, o presidente americano, George W. Bush, assumiu a palavra. Homenageou Sérgio Vieira de Mello por sua luta a favor da paz. Mas, aproveitou o espaço, nesta que é a principal tribuna do planeta, para se defender das críticas que Annan, Lula, Chirac e tantos outros têm feito aos Estados Unidos. Bush afirmou que um governo que cria e manipula armas de destruição de massa tem de ser destituído, indicando ser essa a causa que justificou a invasão militar ao Iraque. Mas, meses após as primeiros ataques que destruíram o país de Saddam Hussein, matando e ferindo milhares de civis, não há prova alguma que legitime a declaração de Bush.
Nova York sob tensão
O dia em Nova York foi recoberto de tensão. Amanheceu chovendo, muitas ruas estão bloqueadas e o esquema de segurança foi reforçado. Ao redor do prédio da ONU, carros da imprensa se misturam às viaturas policiais. Para entrar na sede do organismo, uma fila gigante de jornalistas teve que esperar, na chuva, a minuciosa revista feita pelos seguranças. Alguns profissionais tiveram de tirar os sapatos, o cinto, abrir cada item guardado em sua bolsa. Para fotógrafos e cinegrafistas, ainda mais complicações. Equipamentos foram revistados um a um, parte por parte. Tudo isso porque mais de 100 chefes de Estado e de Governo participaram da abertura dos trabalhos da Assembléia-Geral.