Governo e MST abrem canal de diálogo para discutir reforma agrária

02/07/2003 - 17h58

Brasília, 2/7/2003 (Agência Brasil - ABr) - Em meio a uma onda de saques e invasões de terras pelo país, o governo federal e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) conseguiram hoje abrir um canal de diálogo para discutir ações imediatas que resultem na solução dos principais problemas agrários brasileiros. Depois de três horas de reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto, as lideranças do MST se convenceram de que o governo está disposto a promover uma reforma agrária "massiva" em todo o país. "Saímos confiantes. Agora, sai! Essa é a palavra de hoje que vamos levar aos nossos assentamentos, acampamentos e bases", garantiu um dos coordenadores nacionais do movimento, Gilmar Mauro.

O presidente Lula se comprometeu junto aos líderes do MST a fazer de uma ampla reforma agrária uma das prioridades do governo para o segundo semestre deste ano. Embora a reivindicação do movimento seja assentar imediatamente 120 mil famílias acampadas, o governo sinalizou com o assentamento de 60 mil famílias até o final de 2003, com recursos da ordem de R$ 80 milhões do Ministério do Desenvolvimento Agrário. "Se o presidente assume um compromisso, dizendo que a prioridade no segundo semestre é a reforma agrária 'massiva', acreditamos que isso significa um avanço muito importante no país", enfatizou Gilmar Mauro.

O MST apresentou uma pauta de 16 reivindicações para o campo, que vão desde a elaboração de um Plano Nacional de Reforma Agrária, até ações que promovam a educação nos assentamentos. Como resposta, os líderes dos trabalhadores sem terra conseguiram a garantia de realização do levantamento de todas as terras públicas que podem ser desapropriadas no país. O movimento também ouviu do presidente a disposição de desburocratizar o processo de desapropriação de terras, além do compromisso do governo de fortalecer o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e realizar estudo para criação de um crédito especial para a reforma agrária.

"Estamos trabalhando na política de assentamentos no segundo semestre, vamos priorizar as famílias que estão há mais tempo nos acampamentos, sempre construindo uma reforma agrária com qualidade e com capacidade de produção", disse o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto. Ele adiantou que, em 30 dias, o governo vai ter disponível um estoque de terras públicas que poderão ser disponibilizadas para a reforma agrária dentro do processo de desburocratização para o acesso à terra.

As promessas do presidente agradaram aos líderes do MST. Segundo Gilmar Mauro, o movimento continua acreditando na boa vontade de Lula para promover, em definitivo, a reforma agrária brasileira. "O Lula é um alento, uma esperança. Acreditamos que, com sua história, vai fazer a reforma agrária. As bases do movimento, sem dúvida, também confiam no presidente", ressaltou Mauro.

Apesar do clima de otimismo, os líderes do MST não garantiram o fim da onda de invasões e saques registrados no Nordeste e no Sul do país nos últimos dias. O movimento está disposto a orientar os trabalhadores rurais a não promoverem invasões, mas admitiram que não vão ter como controlar ações isoladas que fazem parte da luta social. "Existem várias formas de luta. Os saques não estão colocados em pauta. As lutas pela reforma agrária vão ocorrer, mas vamos colocar como precaução não cair nas provocações", disse a líder do MST Fátima Ribeiro.
Segundo Gilmar Mauro, a luta do movimento vai continuar, e ela implica possíveis invasões, marchas e ações contra os grandes latifúndios. "Não discutimos trégua, nem que não vai haver ocupações. Se elas acontecerem, não afrontam o compromisso construído com o presidente", garantiu Mauro.

Embora o governo não tenha cobrado uma "trégua" nas invasões e saques, quer garantias de que haverá menos invasões e menos violência no campo. O governo deixou claro que as negociações pela reforma agrária só vão continuar se as ações de violência do MST diminuírem. "Não trabalharemos, se não houver uma diminuição dos conflitos agrários", afirmou Rosseto. Ele adiantou que o governo já tomou medidas para evitar mais violência nas atuais regiões de conflito agrário, como o envio de policiais federais para conter os sem-terra e os fazendeiros e o início do processo de qualificação dos assentamentos.

Os saques a caminhões, promovidos por trabalhadores acampados em Pernambuco, e as invasões a fazendas do Sul do país são, segundo os líderes do MST, ações isoladas, que não refletem o compromisso do movimento pela reforma agrária pacífica no país. Gilmar Mauro deu como justificativa para os saques a fome dos trabalhadores acampados - que aguardaram por mais de dois meses, sem resultados, uma solução do Incra de Pernambuco. Além disso, Mauro informou que foram distribuídas pelo Incra apenas duas mil cestas básicas para as 16 mil famílias acampadas na região. "A fome é um problema lastimável. As pessoas que perderam a sensibilidade de se indignar com a fome, perderam uma parte do ser humano. Quando há fome, é direito legítimo das pessoas buscar onde há (comida)", defendeu Mauro.

Sobre as invasões de terras na região de São Gabriel, no Rio Grande do Sul, o líder do MST disse que houve "deliberação explícita" por parte dos fazendeiros com a distribuição de panfletos que incitavam a violência contra o MST, inclusive com armas. Ele aproveitou para criticar os fazendeiros que incitam o "clima de guerra" contra os trabalhadores rurais, e garantiu que a orientação do movimento será para que ninguém aceite provocações e evite, assim, mais violência.

O clima de descontração marcou o encontro. Os líderes rurais entregaram ao presidente uma bola de futebol com símbolos do movimento, costurada por filhos de assentados do Rio Grande do Sul. Bem-humorado, o presidente pediu a um dos trabalhadores rurais que fizesse embaixadinhas. Ele ganhou também uma cesta com biscoitos e um boné do MST. Sem perder tempo, colocou o boné na cabeça, comeu um dos biscoitos, e ofereceu o resto do pacote para os trabalhadores. O líderes do MST também não se deixaram intimidar e aproveitaram o encontro para "escalar" o time de futebol que vai promover a reforma agrária no país. Lula seria o centroavante. Pela esquerda, o escolhido foi o ministro Miguel Rosseto. "Pelo aspecto político, não sei se pela direita, seria o ministro Palocci (Fazenda)", brincou o líder Ênio Bohnenberger. Lula perguntou qual seria a posição do chefe da Casa Civil, José Dirceu, e Bohnenberger respondeu: "Meia-esquerda".