Comissão reconhece condição de anistiado político do dramaturgo Zé Celso

07/04/2010 - 21h10

Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil

São Paulo – Se, na época da ditadura, o teatro de José Celso Martinez Corrêa foi muitas vezes usado para contestar o regime militar (1964-1985), o palco do Oficina serviu hoje (7) para uma celebração. Foi no Teatro Oficina que Zé Celso, como o dramaturgo é mais conhecido, recebeu o perdão oficial do Estado e a declaração de anistiado político, que vai lhe render uma pensão mensal de R$ 5 mil, vitalícia. Ele receberá também um valor retroativo de R$ 569 mil.

A cerimônia de julgamento da 35ª Caravana da Anistia, que analisou o requerimento de Zé Celso, foi realizada seguindo seus padrões oficiais, com a leitura do processo pelo relator do caso, Prudente Mello, e a votação de seis membros, que foram unânimes em atender o pedido do diretor. Foram seguidos também os padrões do teatro de Zé Celso: os jornalistas, o público e os membros da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça entraram descalços no teatro e foram recebidos por atores, alguns deles nus, numa cerimônia chamada de Lava-pés.

 

Além disso, foi exibido um vídeo sobre os 30 anos da anistia no Brasil. O julgamento do pedido de Zé Celso e a cerimônia atraíram um grande público ao teatro. Pelo inusitado, o ato foi marcado pela emoção dos julgadores e do requerente, que chorou durante a leitura do processo pelo relator.

Em maio de 1974, um mês depois de o Teatro Oficina ter sido invadido por policiais, Zé Celso foi preso quando tentava entrar na casa de uma irmã, em São Paulo. Ele ficou quase um mês preso no Departamento de Ordem Política e Social (o extinto Dops). “Passei pelo pau de arara, sofri choques elétricos, palmatória e roda de porradas, onde perdi dentes. E fui jogado numa solitária, com a luz acesa noite e dia, ouvindo gritos de torturados, como eu”, afirmou. Quando saiu da prisão, Zé Celso exilou-se em Portugal, onde permaneceu até 1979, quando foi decretada a anistia no Brasil.

“A importância [da anistia] é a história agora, no Brasil de agora. O que é importante é que o que aconteceu no passado foi ‘reexistido’, a gente driblou o que aconteceu no passado”, disse Zé Celso. No entanto, ele afirma que ainda existem “problemas gravíssimos de violação aos direitos humanos” e de tortura no país. Como exemplo, citou o que ocorre com os presos nas cadeias brasileiras.

Segundo o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, a avaliação de casos como o de Zé Celso é mais fácil por causa da notoriedade e porque são de conhecimento da população. Abrão ressaltou, porém, que há casos de julgamento mais difícil, porque ainda não estão abertos os documentos que poderiam comprovar as denúncias.

 

“Temos inúmeras situações de pessoas que foram perseguidas, presas, tiveram sua liberdade ceifada, mas a ausência da abertura dos arquivos da ditadura impede a comprovação de suas alegações. Daí a importância da revelação da verdade”, afirmou.

Abrão informou que o aviso sobre a aprovação da pensão vitalícia de Zé Celso será encaminhado ao Ministério do Planejamento num prazo de 60 dias, para que seja incluído na folha de pagamento. Já o valor retroativo será parcelado em até dez anos.

A Comissão de Anistia já analisou mais de 55 mil processos de pessoas que afirmam ter sido vítimas de perseguição política entre os anos de 1946 e 1988. Deste total, 30 mil foram deferidos. A expectativa de Paulo Abrão é terminar de analisar em primeira instância, até o final deste ano, cerca de 15 mil requerimentos.

A solenidade de hoje terminou com a apresentação do espetáculo O Banquete, de Platão.

 

Edição: Nádia Franco